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Arrependimento não muda os fatos

 

Guilherme Constante

 

A boa prática jornalística observa atentamente o exercício imparcial de se fazer notícias e de apurar situações, mesmo que adversas e, principalmente, polemicas. Analisando atentamente as intenções e o modo em que a mídia cobriu e noticiou o golpe militar de 1964, não é difícil perceber posições partidárias por parte de jornais de grande veiculação e importância nacional. Cabe lembrar da relevância dos veículos de comunicação na formação da opinião popular. A responsabilidade de mostrar a verdade e nada além disso é tema constante de discussões da categoria.

 

Um dos jornais mais impactantes no Brasil é a Folha de S. Paulo. A Folha lidera o número de tiragem e de circulação entre os impressos diários nacionais com conteúdo de interesse geral. No calor da ditadura militar, mesmo não sendo tão expressiva como hoje, teve seu peso e publicou palavras de apoio ao golpe e a alguns personagens importantes neste caso.

 

O jornal da família Frias tem muito o a esconder daquilo que anunciou nos anos 60 sobre o golpe. Afinal, como recordar que esteve, em nome da democracia, do lado golpista? A empresa que editava a Folha da Tarde (grupo que originou a Folha de S. Paulo) tomou a decisão de entregar suas edições para agentes de órgãos de segurança para evitar infiltrações da extrema esquerda totalitária e do dirigente da Aliança Libertadora Nacional (ALN), Carlos Marighella.

 

A própria Folha reconhece que cedeu à censura e às restrições advindas do regime militar. Outros veículos não tomaram a mesma atitude e não aceitaram tal imposição do governo, como o jornal O Estado de S. Paulo, a revista Veja e o Jornal do Brasil (Rio de Janeiro).

 

O fato é que, segundo palavras da própria folha, publicadas em..., o jornal apoiou o golpe militar de 1964, como a maior parte da grande imprensa brasileira. É bem verdade que não teve participação ativa na conspiração que depôs Jango, como tiveram outros jornais de grande porte – caso do Estadão - ,mas apoiou editorialmente o regime. Limitava-se a veicular críticas muito raras e pontuais.

 

A parte mais vergonhosa para a Folha tem relação com o fato de ter se submetido livremente à censura. O regime, em 1968, enfrentava fortes manifestações de rua e até o aparecimento de guerrilhas urbanas. Frente a estes problemas a ditadura endureceu e decretou o AI-5. É nesta época que começam as censuras legalizadas nos veículos de comunicação. Jornais como Estadão, o Jornal do Brasil, periódicos como a Revista Veja, não aceitaram a imposição enfrentando a censura prévia. Em suas páginas denunciavam com artifícios editoriais a ação dos censores. A Folha não teve tanta coragem, atitude, assim.

 

As tensões características dos chamados “anos de chumbo” marcaram esta fase do Grupo Folha. A partir de 1969, a Folha da Tarde alinhou-se ao esquema de repressão à luta armada, publicando manchetes que exaltavam as operações militares.

 

Folha justificou a atitude esquizofrênica de entregar sua redação a jornalistas entusiasmados com o regime (muitos deles policiais) dizendo ser esta uma reação do grupo à atuação clandestina (dentro da redação) de militantes da Ação Libertadora Nacional, a ALN de Carlos Marighella. O chefe da ALN era um dos “terroristas” mais procurados do país e foi morto em 1969, na capital paulista.

 

Inclusive, a ALN era uma das fortes inimigos do jornal, por causa de sua postura pró-regime. Em 1971, o grupo de Marighella incendiou três veículos do jornal e ameaçou assassinar seus proprietários. A mensagem era clara: consideravam um crime o apoio do jornal à repressão contra a luta armada.

 

A Folha começa o processo de redenção durante as manifestações pelas Diretas Já. A cobertura realizada pelo periódico durante os comícios e protestos foi a mais imparcial de todos os veículos. Ao contrário da Globo, que boicotou o maior protesto já ocorrido em terras brasileiras (o comício pelas diretas de 16 de abril de 1984), Folha esteve presente e noticiou o que outros se recusaram a dizer.

 

Passado o sufoco, reestabelecida uma pretensa democracia, Folha reconheceu seu erro, declarando ter apenas tido o infortúnio de escolher o lado errado. É difícil ver que filhos da ditadura ainda estão no poder. Figuras da época como José Sarney, Antônio Delfim Netto e Antônio Carlos Magalhães ainda servem de conselheiros e base para influências políticas do Brasil. Não consigo deixar de pensar que isto é resultado, também, de uma imprensa omissa que falhou em construir uma visão imparcial sobre estes que ocupam o poder e outrora protagonizaram o coronelismo do regime militar.

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