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Quantos Cruzeiros vale uma ditadura?

 

Cley Medeiros

 

Foi no final dos anos 20 que Assis Chateaubriand criou a revista O Cruzeiro, chegando a vender a média de 550 mil exemplares por edição. Dois dias após o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954, O Cruzeiro circulou com uma tiragem recorde de 700 mil exemplares. Atolada em dívidas, a publicação começou a decair na década de 1960, e em 1975 saiu de circulação. Teria sido o fim da revista, não fosse a ditadura militar.

 

Apontado durante muito tempo como um dos setores da sociedade que mais sofreram repressão e censura durante os anos de chumbo, o jornalismo também foi alvo de muitas inciativas dos militares. Visando afastar a imagem de que presos estavam sendo torturados por agentes do estado, a ditadura militar, através do Serviço Nacional de Informações (SNI), atual Abin, usou uma das publicações de maior sucesso na história da imprensa nacional, O Cruzeiro, como contraponto às reportagens negativas em relação ao governo e aos militares veiculadas diariamente em alguns jornais alternativos.

 

O caso entre a ditadura e a publicação começou com a tentativa de Baumgarten, jornalista, também informante do SNI, reabrir o jornal fechado. Baurgam conseguiu uma parceria ilegal do SNI com a publicação: os militares arranjariam anunciantes para a revista e, em troca, Baumgarten publicaria reportagens de interesse do governo. Estipulou-se então que a revista receberia, num prazo de seis meses, 30 milhões de cruzeiros em anúncios de estatais, o equivalente, em março de 2014, a 5 milhões de reais. Ao selar o acordo, o SNI se tornou sócio fantasma de uma publicação de um passado glorioso, mas de futuro repleto de manipulações jornalísticas em favor de um sistema totalitário e de falcatruas financeiras.Assim, O Cruzeiro voltou a circular em 1979. O SNI fornecia dinheiro e também "material jornalístico". Baumgarten publicava os textos que o Governo Militar enviava junto com notícias produzidas pela equipe da publicação.

 

Assim, numa mesma edição, era possível ler matérias como: "Francisco Cuoco: um ator em decadência" e "Cuba: a tristeza mora na ilha". A liberdade de imprensa incomodava, mas com a pressão internacional contra atitudes repressivas da ditadura, restou aos militares tentarem fabricar a sua própria realidade do País e vendê-la.

 

Quantos anúncios sustentam uma ditadura?

 

Em 1979 o governo militar incorporou mais uma função a sua nova área de atuação no jornalismo. A fim de sustentar a iniciativa, através do SNI, a ditadura buscava anúncios e matérias pagas para O Cruzeiro. O serviço também solicitou à secretaria de comunicação do governo que irrigasse a revista de Baumgarten com publicidade oficial. A reedição de O Cruzeiro estava fadada a um redonho e barulhento fracasso e até as pedras da praça dos três poderes sabiam disso. A princípio, o chefe da Secom, atual Ministério da Comunicação, Said Farhat, negou o pedido do Governo Militar alegando o óbvio, ou seja, que seria uma quebra na ética jornalística fazer das instituições ligadas à ditadura uma redação ilegal de O Cruzeiro.

 

Com pouca qualidade editorial, a reedição da publicação em nada lembrava a revista criada por Chateaubriand cinco décadas antes. Graças ao esforço dos militares, as edições tinham anúncios, mas não tinham leitores. O nº 6 da revista trazendo Vera Fischer na capa, dos 60 mil exemplares distribuídos em banca, menos de 12 mil foram vendidos, segundo dados do serviço nacional de informações, trazido à tona com o livro-reportagem de Lucas Figueiredo O Ministério do Silêncio.

 

Em 23 edições foram 620 páginas de anúncios ou matérias pagas, sendo 431 de estatais e órgãos do governo. Menos de dois anos após o relançamento a pretensão do Governo Militar em fazer da revista um dos pontos fortes do regime foi por água a baixo. A aventura não decolou porque os leitores simplesmente haviam recusado a louca criação editorial de Baumgarten e do governo militar.

 

Em menos de dois anos a pretensão se tornou ilusão. Os militares não haviam conseguido convencer o Brasil das suas verdades por meio de suas publicações e nem O Cruzeiro conseguiu saldar as dívidas que a "novidade" editorial acumulou em 2 anos de manipulação.

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