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Patota Duca

 

“Para eles [militares], aquilo [O Pasquim] era um antro de comunistas, bêbados, pervertidos e drogados, empenhados em difundir ideologias exóticas e subversivas, desencaminhar a juventude e destruir a família brasileira.” – Sérgio Augusto em O Pasquim. Não tiro lá sua razão.

 

Isadora Stentzler

 

Quanta esbórnia, senhoras e senhores. E quanta putaria! Permita-me lhes apresentar as páginas pretas e brancas de O Pasquim, o escarnecido jornal nascido na ditadura militar que fez da censura, a nitroglicerina do noticiário. Mas uma ressalva: se teu senso for conservador demais e acredita que as palavras porra, bosta, sexo, idiota, ânus e bicha não cabem em um jornal, pare por aqui. Pois na conserva, não restava nem o uísque do Pasquim. Ah! E se tiver toc esse texto também lhe será um problema, porque a lá Pasquim, não me interessam padronizações. Regras? Isso fica para a dita maldita ditadura. Dada as considerações, sigamos.

 

Primeiro, o nome. Foi lá na edição número 11 que o jornal explicou: “Do nosso Departamento de Pesquisa em Roma”, Pasquim vem de Pasquino. E Pasquino fora um rapagão porra louca fofoqueiro da Roma do século 15. Um barbeiro, ou alfaiate, ou dono de restaurante. Não há consenso. Só se conclui que o dito cujo, após ouvir calado as sujeiras da clientela, reverberava em 24 horas as travessuras e malícias da comunidade. Um tipo que “gozava os melhores favores e publicava os piores segredos”. Alguns 500 anos depois, pasquino virou Pasquim e Pasquim virou jornal. Pelo nome já dá pra entender a seriedade do informativo.

 

Segundo, o Sigmundo, o Sig, o rato borracho da capa. “O homem forte do Pasquim”, para Tarso de Castro. Um centauro, ou ratauro: meio homem, meio rato. Homem porque era pensante, uma alusão ludibriada ao psicanalista Sigmund Freud. E rato, bom, porque era um rato. As capas do folhetim não vinham sem ele, tampouco as páginas internas. É de Sig provérbios como “intelectual não vai à praia, intelectual bebe”, e outras verdades pra redação do Pasquim.

 

Quarto, não tem terceiro e nem mais ordem. Falemos sobre o jornal, a ditadura, a censura e a boemia de Ipanema

 

O Pasquim foi patusco. No tabloide, os leitores se descobriam masoquistas, ninfomaníacos, sátiros e pecadores. Isso porque o jornal decidiu ser do contra. Os jornalistas eram chamados para escrever qualquer coisa. Se não escrevessem, a página saía em branco mesmo e não tinha problema. Na equipe, os nomes, hoje fortes, eram os de Tarso de Castro, Jaguar, Sérgio Cabral, Carlos Próspido, Claudius, Ziraldo, Ivan Lessa, Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Caetano Veloso, Vinícius de Moraes, Glauber Rocha... uma patota megalomaníaca que desengravatou o jornalismo. Além de viver de porre, claro.

 

A mudança começou pela linguagem. À sombra da ditadura, o folhetim escarnecia o quadradão e conversava com o leitor por meio das palavras. Tudo coloquial, nada formal. As entrevistas contracultura, enormes, provocativas, libertárias, eram regadas a destilados. Assim como o fechamento da edição, os copy desks, as decupagens e etc e tal.

 

É por isso que nem os censores aguentavam. Vez ou outra, os homens chamados para boicotar a patota terminavam brindando a vida e as tirinhas do Jaguar. Então aqueles textos ofensivos – ou apenas verdadeiros –, como os barrados lá no Estadão, paravam na capa do Pasquim – ou no quadro dos Fradinhos.

 

Mas a brincadeira boemia não foi de toda uma ciranda. Já em 1970, no biênio do jornal, os sábios montanheses do Pasquim foram presos e uma bomba atingiu a redação – por orixás não explodiu. Poderia ter sido o fim. Poderia, se não fosse a provocativa esbornia (ta, vá lá, pândega) que se tinha pelo jornal. O que aconteceu foi que enquanto os editores conspiravam atrás das celas, uma equipe de colaboradores, hoje (e ontem) elite intelectual carioca, uniu-se para manter vivo o Sig.

 

Ah! Bons tempos os de Pasquim!

 

Hoje, o impresso não ganharia um Esso. Nem o Jabutí. Fala-me Deus se receberia respeito. Mas não há maus olhos para julgar um jornal independente, sem oligarquia, que publicou 172 números, alcançou 200 mil exemplares e resistiu mais de duas décadas. Nem Millôr creu. Ao parir o folhetim, desdenhou: “Não estou desanimando vocês não, mas uma coisa eu digo: se esta revista for mesmo independente não dura três meses. Se durar três meses não é independente. Longa vida a esta revista!” E não é que durou?

 

De herança ficou o legado gonzo, a sátira, a pimenta, a irreverência, a palavra, o estilo, a coragem, a cultura, a contracultura, as garrafas de uísque. Regalos bem-vindos do Sigmund.

 

Deveras hoje nascer outros Pasquins. Do mesmo jeito. Alternativo. Escarnecedor. Boêmio. De elite. Para cutucar com ferrolhos textuais aqueles e aquelas que ainda ditam a ditadura do poder. Nasceriam novos pasquinenses? Não sei. Só um DNA de jornalista, sobretudo revolucionário, daria conta da responsabilidade.

 

Por ora, fica meu desabafo em grito do Ipiranga: Devolvam o Pasquim às ruas! Pois a esbornia precisa continuar! Contra a barreira intelectual!

 

Contra a censura! Contra o moralismo! Ousados de todo o mundo, uni-vos!

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