
Extra, extra! Morre a liberdade de imprensa
Anna Paula Rodrigues
Vladimir Herzog. Esse nome te lembra algo? A imagem que vem a mente da maioria das pessoas não é tão agradável. Rosto inchado, cinto preto enrolado no pescoço, preso à grade de uma cela do DOI-Codi. Entretanto, é preciso que as gerações vejam e conheçam essa história que, por mais sinistra que seja, tem um grande significado para a história do Brasil. O assassinato do jornalista, que o regime militar absurdamente fez passar por suicídio, ativou ainda mais o repúdio à ditadura. Vlado, como era conhecido pelos familiares e amigos, se tornou, por mais triste que seja a brutalidade, mártir da liberdade de imprensa.
O documentário Vlado - 30 anos depois, de João Batista de Andrade, reconstituiu os momentos mais dramáticos dessa trajetória. Antes mesmo da abertura, o diretor se preocupa em mostrar com era, verdadeiramente, seu personagem: família, personalidade, preferências políticas, humores. Entretanto, logo, o homem Herzog dá espaço ao jornalista.
Foi repórter, redator e chefe de reportagem em O Estado de S. Paulo. Seis anos depois, já nos tempos de chumbo, Herzog se exilou em Londres, onde se especializou em cinema e telejornalismo na BBC. De volta ao Brasil uma semana depois da instalação do AI-5, em 1968, colaborou na área de cultura na revista de opinião Visão. Foi um dos criadores do noticiário com responsabilidade social da TV Cultura, o que não agradou a muitos. Foi do estúdio da Cultura que Herzog recebeu a ordem para se apresentar no DOI-Codi, de onde não saiu vivo.
Antes de 1975, ele já era visto pelo regime como perigoso comunista. Era de fato ligado ao PCB, mas, assim como o núcleo do partido, não se engajou na luta armada. Preferia o cinema, onde conhece João Batista de Andrade, mais famoso por seu trabalho na ficção, como O homem que virou suco de 1981. E é da breve amizade que o cineasta consegue tirar ótimos momentos para a criação do documentário.
Vlado – 30 Anos Depois tem uma característica completamente pessoal. Os depoimentos são fortes e surpreendentes. João Batista filma com a câmera na mão a pouco mais de 30 centímetros do seu entrevistado, o que torna a estética do filme um pouco bagunçada, mas existe algo mais surpreendente. Logo no início, o cineasta pergunta às pessoas na Praça da Sé se já ouviram falar do jornalista Vladimir Herzog. Algumas dizem que sim, outras dizem não. Entre sins e nãos, um homem de terno e gravata aparentando ter entre 45 e 50 anos de idade afirmar que Herzog não é do seu tempo. Uma resposta no mínimo tola. É preciso conhecer a história do seu país independente da época.
Leia! Guarde essa data. 31 de outubro de 1975. Oito mil pessoas reuniram-se na Catedral da Sé, centro de São Paulo, num protesto silencioso contra a morte brutal do jornalista Vladimir Herzog. Seis dias antes, Herzog sai de casa logo cedo para prestar depoimentos no DOI-CODI sobre o seu envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Ele despede-se de sua mulher Clarice, e de seus dois filhos, André e Ivo. Outros 11 jornalistas já haviam sido presos e torturados nos porões do DOI-CODI. Mas Vlado recusa-se a fugir. No fim da tarde, a família e os amigos receberam a triste notícia: Vlado está morto.