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Medo do escuro

 

Quando criança, os mistérios do escuro nos impressionam. O tema causa medo e, na maior parte dos casos, repulsa ao assunto. O mesmo acontece com, por exemplo, com temas como a legalização/descriminalização da maconha. Será que tal medo não seria extirpado frente a um conhecimento profundo da questão?

 

Emanoel Júnior

 

O reconhecimento dos nossos erros é um ponto essencial para a busca de uma sociedade ideal. A guerra às drogas é um exemplo claro. Depois de convenções da ONU, grande parte dos países colocou a maconha na ilegalidade. O problema passou a ser de segurança e policiais se tornaram agentes do Estado para combater a cannabis. Hoje, negar a ineficiência desse processo exige um esforço intelectual imenso. Milhares de mortes de inocentes, superlotação de cadeias, criminalização das favelas, milícias. O estrago feito pela falta de informação foi desastroso. Com o erro em nossas mãos, o que explica continuar errando?

 

Segundo o filósofo alemão Theodor W. Adorno, a primeira virtude moral é a consciência da nossa falibilidade. Essa consciência nos coloca na verdadeira posição para uma ação muito mais precisa. Erramos com a guerra às drogas e devemos assumir isso para nós mesmos. Só assim poderemos debater com coerência qual é a melhor maneira de encarar o consumo de maconha. Discutir a legalização também exige essa consciência. Todo o processo deve ser analisado cuidadosamente para que os riscos de falhas sejam diminuídos – nunca serão zerados.

 

Diversas análises científicas que comparam maconha, cigarro e álcool nos dizem que esses três produtos tem um padrão de atuação na saúde do usuário. Talvez tenha chegado a hora de refletir porque são tratados de forma diferente. Muitos países já se abriram ao debate, demostrando a consciência que Adorno citou. Portugal, Uruguai, Holanda e alguns estados dos Estados Unidos legalizaram e regularizaram o consumo da erva de acordo com suas particularidades. Para justificar e comprovar a eficácia de suas leis, eles vêm apresentando números importantes. O Uruguai, por exemplo, reduziu para zero o número de mortes relacionada ao tráfico de entorpecentes.

 

Brasil

 

No país do futebol, do carnaval e da cerveja, onde alcoolismo vira glamour em comerciais de televisão, até falar sobre maconha é pejorativo. A planta continua arquivada na gaveta de problemas da sociedade e nas gavetas de deputados. Qualquer adolescente tem aprovação da sociedade se for um frequentador de bares, afinal, uma birita não faz mal a ninguém – só é responsável por 80.000 mortes por ano, nas Américas. Se fumar um cigarro para acompanhar, “ah, tudo bem!”, afinal essa vã rebeldia da juventude é normal – e causar 6.000.000 de mortes por ano também. Pesquisemos pois, quantas mortes foram causadas pela maconha. Um número relacionado a ela é assustador: mais de 55% dos homicídios no Brasil são ligados ao tráfico de drogas.

 

 Símbolo da guerra às drogas, o personagem Capitão Nascimento, dos filmes “Tropa de Elite” e “Tropa de Elite 2”, se tornou um herói nacional, depois de mostrar a força do Estado contra os traficantes. Porém, mesmo representando o que representa, o mesmo admitiu a realidade na sua última fala do filme. Interpretado por Wagner Moura, Nascimento parece ter caído em si. Em uma imagem aérea de Brasília, ele diz que não é à toa que traficantes, policiais e milicianos matam tanta gente na favela. “Ainda vai morrer muito inocente”, confessou o herói do Bope.

 

 Aos poucos, vamos construindo nossas virtudes morais, como crianças aprendendo com os próprios erros. Mais do que a legalização da substância, o problema está no nosso conceito de liberdades individuais, que ainda se mostra infantil. Com um receio do desconhecido, evitamos ceder a novas ideias, e conservamos o status quo. Porém, a renovação dos sistemas de organização é necessária e devemos aceitá-la.

 

 Portanto, a regulamentação da maconha é visivelmente eficaz e, se bem estudada, resolve naturalmente alguns problemas cotidianos. Além disso, transcende a discussão sobre o problema pontual e “cutuca a ferida” de um conservadorismo ingênuo. Passou da hora de abandonarmos a adolescência intelectual e, como adultos, termos ousadia para resolver nossas dificuldades. Legalize já!

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