top of page

Noticiário a, editorial canábico

 

O debate sobre a maconha nos jornais ainda tem a ver com a mensagem de política americana antidrogas da década de 30. Mas quando a pauta vaza para os editoriais, o assunto é outro.

 

Isadora Stentzler, com informações de Giselly Abdala

 

Tímida, a maconha saiu das páginas obscuras do jornal para a luz dos noticiários diários. Reflexo do clamor social que invadiu as ruas em cartazes e também pelos exemplos internacionais, sobretudo o do vizinho tupinamaro. No entanto, a imparcialidade das redações segue em cheque.

 

Desde que o presidente do Uruguai, José Mujica, levou à votação o projeto que legalizaria a produção, distribuição e consumo de maconha no passado, o assunto, como espelho convexo, tomou a imprensa brasileira. Para além das editorias internacionais que noticiavam o assunto, debates sobre os benefícios e malefícios da medida também passaram a ser frequentes.  

 

Dos exemplos de fora, tinha-se, além do país Latino Americano, os estados do Colorado e Washington, nos Estados Unidos, Holanda e Portugal. Cada um com sua política, sendo os europeus veteranos na pauta. Esse mix de discursos sobre drogas propiciou a preocupação brasileira, uma vez que o número de maconha apreendida passou de 155 toneladas em 2010, para 174 toneladas em 2011, o terceiro aumento consecutivo, de acordo com dados do Relatório Mundial Sobre Drogas, publicado em 2013. Com isso a esfera pública foi afetada e a imprensa logo tomou posição.

 

Da parte da mídia caberia, além da divulgação de pesquisas e dados, a condução deste debate. No entanto, o que se viu foi a pauta limitada a seguir as suítes das medidas internacionais e o conduto da pregação moralista apoiada pelos progressistas.  

 

O jornalista Denis Russo Burgierman, autor do livro “O fim da guerra”, pontuou na obra de 2011 que essas conotações negativas sobre a cannabis no noticiário tem a ver com as “mensagens certas” a serem passadas. Nesse sentido, qualquer política que leve à defesa de alguma droga seria uma mensagem errada, isso se o veículo estiver alinhado aos padrões defendidos pelo Estado como o correto da luta antidrogas. “Os jornais, muitas vezes, são movidos por boas intenções. Para eles, é tudo uma questão de ‘mensagem’. Temos de enviar a ‘mensagem certa’: drogas são perigosas. E temos, a todo custo, de impedir outros de transmitir a ‘mensagem errada’, que pode deixar as crianças com vontade de experimentar drogas, alimentando o problema”, esclarece.

 

No que dependesse das academias de jornalismo, a teoria de Burgierman estaria descartada, já que a função mor do repórter é levar os fatos como eles são e deixar para o leitor tirar a conclusão do que é uma mensagem certa e uma mensagem errada.

 

No entanto, a maconha como pauta negativa surgiu nos anos 30 com a política antidrogas americana. O responsável por levar o assunto ao noticiário foi o administrador de empresas Harry Anslinger, um dos responsáveis pela medida antiálcool aplicada nos Estados Unidos em 1920. A mídia o chamava de “czar antidrogas dos Estados Unidos”. O que Anslinger fez foi colocar a maconha no mesmo patamar que drogas pesadas como cocaína e heroína e viabilizar reportagens que falassem mal da maconha para os jornais. A ideia era manter as crianças longe das drogas. Mais uma vez, movidos pela boa intenção as reportagens ocuparam manchetes.

 

No Brasil, porém, os discursos se cruzam. Culpa da linha tênue entre o que é divulgado na grande mídia e o que sai na pequena imprensa, a mais alternativa. Esta segunda não teme o posicionamento por andar lado a lado a coletivos de luta pró-descriminalização e legalização da cannabis. Como a revista Vírus Planetário, por exemplo.

 

Já no que se referem a grande imprensa, as opiniões são controversas. Organizadores da Marcha da Maconha em Campinas, cuja última edição fora sábado 10 de maio, Rafael Henrique, 23, e Luís Fernando, 25, julgam que o assunto ainda é um tabu nestes veículos. Entre os gritos de “Legalize, legalize, já!”, Rafael defendeu sua opinião: “Acredito que com o passar do tempo melhorou a questão do debate sobre a atual política de drogas, mas ainda acho que precisa progredir muito.” Em seguida Luís, que usava a camiseta da Marcha, citou reportagens veiculadas no Fantástico e no canal TV Bandeirantes como favoráveis a disseminação do tema, já que ganham visibilidade. “Para o viés da legalização acho que qualquer politização do assunto só tem a ganhar”, argumentou. Por outro lado, o deputado Jair Bolsonaro, dono de uma opinião conservadora sobre a política de drogas, diz que a mídia tomou partido. “E isso acontece porque tem muita gente lá dentro que gosta do consumo. Quando tem marcha da maconha e essas coisas, a mídia está sempre presente cobrindo”, argumentou.

 

Nos editoriais, embora se tente uma parcimônia nas reportagens, fica claro o que o veículo anseia. Em 2011, ano em que o Supremo Tribunal Federal deu aval para a Marcha da Maconha no país, dois veículos chamaram a atenção por trazerem capas antidrogas, mas editoriais prós. É o caso da Folha de S.Paulo e do jornal O Globo.

 

O título era simples: “Legalizar as drogas”. Com ele, em 19 de junho daquele ano, a Folha verberou: “Esta Folha defende desde os anos 1990 que se faça uma discussão serena e sem preconceito de propostas alternativas para enfrentar o flagelo das drogas.” E seguiu: “A Folha avalia que chegou o momento de avançar na matéria, dando novos passos para a legalização. Primeiro, da maconha...” E então detalhou o que a esfera pública deveria fazer para que a legalização não fosse um problema.

 

De forma semelhante, o jornal O Globo também lançou um título fraco, mas para um assunto forte: “A descriminalização das drogas.” O apelo foi social e econômico. “À parte os aspectos puramente criminais e sociais desse flagelo, que leva a tragédia do vício para dentro de um número incontável de famílias no mundo inteiro, e deixa a sociedade sob o terrível fantasma da violência decorrente do banditismo cevado pelo tráfico, as drogas ilegais movimentam algo em torno de US$320 bilhões por ano no planeta. É um dinheiro que passa ao largo dos canais financeiros institucionalizados e que, legalizado, poderia ser usado em programas de redução de danos e tratamento de dependentes”, dizia trecho.

 

Ambos os textos vangloriavam a medida adotada no Brasil de diferenciar o usuário do traficante.

Três anos depois, editoriais como estes são menos comuns, embora a pauta tenha avançado e ocupado várias capas. Porém, ainda se espera a mesma cristalinidade dos veículos, já que se vão falar bem, que embasem o porquê e levantem a bandeira. Assim, os leitores entenderão de que lado àquele que leva informação para dentro da sua casa está sambando.

 

E se faz bem ou mal, isso é o leitor quem decide. 

bottom of page