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Sou careta. Drogas, Bah?

 

Aline Lüdtke

 

“Sou careta. Drogas, Bah!”. Assim bradava o lema amplamente divulgado numa campanha antidrogas tão careta quanto antiquada, assim como muitas outras, segundo o documentário Quebrando o Tabu, de Fernando Grostein Andrade. O projeto aborda de forma mais aberta a questão e traz críticas quanto ao tratamento de usuários e adictos no Brasil. Com a opinião de nomes como os de ex-presidentes dos Estados Unidos e Suíça, personalidades nacionais e internacionais e pessoas envolvidas com o tema, há uma proposta de regulamentação do uso de entorpecentes. Exemplificando com políticas de países europeus, e conduzido pelo ex-presidente do Brasil e sociólogo Fernando Henrique Cardoso, o documentário pretende abrir caminho na discussão sobre o assunto.

 

Utilizando-se de uma linha do tempo em animação, o autor define a primeira premissa: drogas sempre existiram no mundo, fosse qual fosse sua utilização ou efeitos na sociedade. Assim, sonhar com a extinção de entorpecentes não faz sentido. Diante disso, o que se pode fazer para lidar com o problema? Seguem-se, então, depoimentos de Jimmy Carter e Bill Clinton, admitindo o quanto erraram em sua política de repressão e “guerra às drogas”. Já que as estatísticas revelam o aumento de violência e tráfico nas épocas de mais rígido controle, parece ficar claro que um dos extremos – proibir – não é solução.

 

Mas ao mesmo tempo, que pai gostaria de saber que em “cada esquina” seu filho terá livre acesso a drogas, legitimado pelo próprio governo? Não, a outra extremidade também não é viável. Como encontrar o equilíbrio entre duas posições tão radicais, mas tão cheias de pontos a se considerar?

 

Consideremos, então, a realidade brasileira: um usuário pego em flagrante é preso. Durante seu período em cárcere, no entanto, pouco ou nada é feito para que sua seja vencida. Há até mesmo casos de infratores que nunca experimentaram drogas, mas, após uma passagem pela penitenciária, já correm o risco de voltar; desenvolvido o vício, passam a arriscar a liberdade para sustentá-lo. Vê-se, aqui, outro problema com relação à pena por portar drogas, pois o método empregado para, aparentemente, solucionar, quase causa o efeito contrário. E mais: “onde se vai construir cadeia para tanto usuário?”, é a pergunta lançada pelo médico Drauzio Varella, que também participa das filmagens.

 

É importante, no entanto, não se esquecer da política quanto ao uso de cigarros e bebidas, que até pouco tempo eram, não só permitidas, como incentivadas. Sabe-se de drogas que tem um efeito menos prejudicial que o desses dois. Mais perguntas se formam. Será que serão respondidas?

 

Aí entram os anunciados modelos de conduta: países europeus. O destaque é para a Holanda, que empenhou-se em legalizar o uso pessoal de maconha. Mais do que isso, existem espalhados por Armsterdã, a capital, centros de utilização de drogas. Assim permite-se que o dependente faça o uso de maneira higiênica, e, tanto quanto se pode afirmar, segura. O intuito é aproximar o doente, e não infrator, do governo, e nessa aproximação, a ajudar a vencer o vício. Sem contar as coffee shops, lojas autorizadas a vender maconha ou outros tipo de entorpecentes, para o consumo.

 

Já quase no final do vídeo, os olhos parecem encher-se com uma nova perspectiva de esperança e a vontade é de levantar a bandeira da descriminalização, mas só se esquece de um “pequeno” detalhe: a realidade mostrada ocorre em países europeu, pequenos em extensão territorial, exibindo altos Índices de Desenvolvimento Humano e níveis culturais. E o contrário pode até soar democrático, mas verdade seja dita: tamanho 36 não veste um manequim 42! Campanhas de combate às drogas que não convencem podem indicar uma deficiência que vai além da capacidade técnica de quem as produziu, ou dirigiu. Indicam que a sociedade brasileira talvez tenha que passar por uma ampla reforma na forma de pensar até que encontre um modelo que vista e se ajuste bem, e não apenas cubra.

 

Não que seja impossível mudar, não que não tenha mais jeito, muito menos que está bom como está. Mas também, não que o resultado seja “simples”. Por mais que o documentário defenda claramente a descriminalização das drogas, ainda não se pode afirmar ter-se encontrado uma saída. Muitas questões continuam no ar, novas se formam. Mas o mais importante é justamente isso, ouvir opiniões, compartilhar experiências, e discutir. A situação só irá mudar quando se quebrar o tabu.

 

Ficha técnica:

Duração: 80 min.

Direção e ideia original: Fernando Grostein Andrade.

Diretora Assistente: Fernanda Fernandes.

Produção: Fernando Menocci, Silvana Tinelli e Luciano Huck.

Produção Executiva: Fernando Menocci, Roberto Vitorino e Luiz Nogueira.

Produtor Associado: Gustavo Halbreich.

Argumento: Fernando Henrique Cardoso, Miguel Darcy e Fernando Grostein Andrade.

Direção de Fotografia: Rafael Levy e Fernando Grostein de Andrade.

Direção de Arte e Animação: Pedro Vergani.

Roteiro: Fernando Grostein Andrade, Ilona Szabó de Carvalho, Thomaz Souto e Ricardo Setti, Bruno Módolo e Rodrigo Oliveira e Carolina Kotscho.

Trilha Original e Direção Musical: Lucas Lima e Rubens Feffer.

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