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Vítima e agressor

 

Aline Lüdtke

 

Imagine que sua casa – a que herdou de seus pais e na qual você cresceu – é invadida por pessoas que dizem ser os descendentes de quem a construiu. Provavelmente, seu primeiro impulso seria mostrar-lhes a escritura do imóvel, e, na pior das hipóteses, acionar a polícia. Mas e se a polícia, além de expulsar sua família, prendesse você? “Mas”, você tenta protestar, “pelo quê, mesmo?”. Embora seja uma representação um tanto quanto simplória de um conflito tão cheio de detalhes e com um longo histórico, talvez imaginar essa hipótese evidencie o absurdo que milhares de pessoas estão vivendo no Oriente Médio.

 

Continuando a ilustração, o mais surpreendente de tudo seria se as pessoas que invadiram sua casa fossem seus vizinhos, com os quais você conviveu pacificamente a vida toda. É fato que palestinos e israelenses viveram pacificamente por muitos e muitos anos, até que, de repente, algumas nações unidas resolveram que não era assim que devia ser. Porque, afinal de contas, para eles, havia “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Foi assim que famílias inteiras tiveram que deixar a tal “terra sem povo” para que o “povo sem terra” pudesse habitar. E a insatisfação – óbvia – gerada entre os demais árabes da região cresceu até que deu início aos conflitos armados que, de maneira intermitente, continuam até hoje.

 

Em meio a uma guerra, no entanto, não são apenas questões políticas e territoriais que estão em jogo, mas um bem muito mais precioso: a vida. Vida essa preservada do lado israelense, que mantém bunkers, ou abrigos antibomba muito bem equipados ao longo de suas cidades. Ou mesmo com a segurança militar que conta com o apoio dos Estados Unidos. E, na pior das hipóteses, hospitais com a melhor infraestrutura para receber feridos. Enquanto isso, palestinos contam apenas com a própria força e a de grupos paramilitares para se proteger, e hospitais têm de selecionar os casos mais graves para tratar, já que os recursos são poucos. Campanhas feitas pela Unicef incentivam doações que serão destinadas à compra de medicação e alimentos para a o lado mais frágil do conflito.

 

Isso sem mencionar o cerco na Faixa de Gaza, de onde não se pode sair, nem entrar sem passar pela rigorosa e, muitas vezes, rude, supervisão de um soldado israelense. Jovens são impedidos de se dirigirem à Universidade. Adultos encontram grande dificuldade para se manter em seus empregos. Crianças não podem se dar ao luxo de ir à escola ou brincar livremente pelas ruas. Isso também porque a região é alvo de constantes ataques bélicos. Além desses, a “prisão” fere outros direitos básicos do homem, quando, por exemplo, no verão, os moradores têm apenas duas horas de água corrente por dia. E eles não podem nem ao menos discordar: as manifestações são interrompidas pelo exército, que não hesita em lançar bombas de gás, alvejar e prender cidadãos palestinos.

 

O pior de tudo isso é lembrar que tais ações vêm de um povo que carrega uma marca. Uma grande estrela amarela bordada em sua história e testemunha crueldades e horrores, quem sabe, tais quais aos que infligem hoje. Que argumento pode ser mais forte que esse? Como defender uma causa da qual se foi vítima um dia?

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