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As vozes, as mãos, o sangue

 

Sempre nutri um fascínio pelas civilizações, as culturas pré-colombianas. Há tanta beleza e engenhosidade na história destes povos. Há uma forte tradição espiritual, uma hierarquia elaboradíssima de poder, tanta tradição, tanto conhecimento, . Talvez devido a este interesse, bastante incomum aqui em terras tupiniquins, nunca (até pouco) havia percebido este isolamento, esta arrogancia disfarçada de piedade, um esnobismo preconceituoso, que brasileiros alimentam, em relação aos povos vizinhos, aos povos irmãos.

 

Nos últimos tempos tenho percebido cada vez mais e me incomodado cada vez mais com frases do tipo: "Odeio espanhol. Lingua horrorosa"; "Hispanos são porcos", "Povo pobre e sem cultura", "A única coisa que sabem produzir é telenovela".... Enojante!

 

Do alto de tanto mediocridade estas pessoas não percebem, por exemplo,  que nossa lingua é de uma semelhança estrutural e fonética tão grande, que poderia dizer, levando em conta minha ignorância no campo da linguística (e me perdoem os especialistas), que são como dialetos de um mesmo lugar. Do alto de tanto preconceito, este grupo majoritário não percebe que o que fazemos de melhor aqui é produzir telenovela.  Longe de mim menosprezar a produção cultural de nosso rica "mãe gentil" ou a de nossos hermanos. Minha intenção única é demonstrar um ponto: somos lados de uma mesma raiz étnica.

 

Porque tanta vergonha de nos associarmos a este parentesco? Porque  tanto preconceito e desconhecimento?

 

Culpa de uma doutrina de descontrução alimentada, primeiramente pela Inglaterra e, posteriormente, mantida pelo querido Tio Sam. Uma descontrução desta identidade latina que é perpetuada, diariamente, pela mídia. Os motivos: os velhos e eternos interesses comerciais, de poder. Interesses que levam a uma educação onde somos ensinados que nascemos em uma terra ruim, no submundo, nossa cultura é ruim, nossa lingua é pobre, e o belo, o rico, o que deve ser valorizado se encontra no hemisfério de cima. Um sentimento de inferioridade que estendemos também a nossos parentes étnicos, à nossa vizinhança.  Queremos viajar para a Europa e EUA, mas nunca para a Bolívia ou Peru. Queremos aprender inglês e alemão, mas jamais espanhol.  

 

Bolívar sonhava com uma America Latina unida. Um sonho que, se real, talvez mudasse completamente a ordem social vigente e as potencias de dominação. Muita utopia? Talvez, mas me envergonha pensar que como mídia temos colaborado para perpetuar esta doutrina da descontrução identitária latina. Esta edição do Canal vai falar sobre isto, sobre esta postura da mídia em relação a povos que são tão parecidos a nós. Que nosso material seja um incentivo a seu aprofundamento na temática da América Latina.

 

O jornalista uruguaio, Eduardo Galeano, disse certa vez que  "o primeiro passo para mudar uma realidade consiste em conhecê-la". Somos povos irmãos. Colonizados por processos semelhantes. Oprimidos e explorados por sistemas semelhantes. Ambos educados em uma tradição patriarcal e machista. Sob a bandeira da mesma religião. E ao mesmo tempo, temos o mesmo sangue guerreiro, resiliente, hospitaleiro e passional. Como cantava Mercedes Sosa, "todas las voces, todas, todas las manos, todas, toda la sangre puede ser canción en el viento". É hora de conhecer e fazer valer nossas vozes, (da lingua e dos interesses irmãos); nossas mãos, (marcadas pela mesma luta e pela mesmo tipo de repressão); e nosso sangue, que ao vento, deve gritar o valor de nossa cultura e história!

 

 

Andréia Moura

Editora-chefe do Canal da Imprensa

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