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América Latina: as miragens da mídia e da educação

 

Andréia Moura

 

Canyon de Colca, Salar Uyuni, La Higuera, Nazca e suas linhas,  Ushuaya... Você não tem a menor idéia de onde ficam estes lugares? Lago Titicaca, Machu Picchu... Ah! Estes você sabe mais ou menos, né?  Museu do Louvre, Vaticano, Disney, Big Ben, TorreEiffel, Times Square.... Opa, já estes estão na ponta da língua, certo? Não te parece estranho que haja maior intimidade com pontos turísticos que ficam a milhares de kilometros de nosso país, e em contrapartida você desconheça lugares que poderia visitar na vizinhança? Bom, isto é apenas um sinal da descontrução cultural identitária a que nosso país vem sendo submetido nos últimos 300 anos. Fomos construídos e descontruídos ao bel prazer das potências européias, e ainda hoje continuamos externando comportamentos que são frutos deste perpétuo doutrinamento.                

 

"O patriotismo brasileiro é, especialmente, anti-hispanico", ironiza o jornalista Alex Castro. Castro, atualmente é blogueiro e trabalhou alguns anos como freelancer na Europa. O que a frase de Castro sintetiza é um conjunto de comportamentos que refletem arrogância e desprezo  cultural em relação à vizinhança brasileira e que tem razões e origens muito mais profundas do que se imagina. Nem entendia-se o sentido de ser brasileiro ainda, mas o povo já sabia que ser brasileiro não era ser hispânico. Eles eram repúblicas independentes, e o Brasil uma monarquia. A vizinhança usava chapéu, grandes bigodes, e os brasileiros não. Eles falavam espanhol, e deste lado falava-se português. O sentimento nacional, naquela época já sinalizava: "não somos hispânicos".

 

 A socióloga Lúcia Oliveira explica que este sentimento anti Latinoamérica deriva-se do fato de que, por ter mantido a monarquia, o Brasil demorou muito tempo para entender-se como parte da América. "Na cabeça da população, dos governantes, no estilo de vida, acreditava-se ser uma pequena extensão européia", afirma.  A própria definição "América Latina" nem é invenção do povo que aqui habitava. O termo é construção européia. Wagner Iglecias, doutor em sociologia e professor do programa de pós-graduação em Integração da América Latina da USP, explica que a origem do termo está relacionada a ânsia de Napoleão para dominar os espólios recém-independidos de espanha e portugal. "O imperador francês queria impedir que a Inglarerra anglo-saxonica dominasse os territórios do Novo Mundo. É por isto que ele invoca nossa latinidade em comum para aproximarnos da França", conta.

 

Iglecias faz questão de enfatizar também que este "em comum" é muito relativo. Na verdade, segundo ele, o parentesco étnico entre os latinoamericanos não se origina nas raízes européias, mas na origem indígena, africana e mestiça que se construiu aqui. "Há mais afinidades culturais criadas por esta ascendência indígena que pelas afinidades entre portugueses e espanhóis", explica. Apesar de nossas fronteiras se darem, essencialmente, com estes povos irmãos, pouco ou nada sabemos da cultura e tradição hispanica. "Quantos livros, filmes, musicas de origen hispanica consumimos na vida? Se um ET acompanhasse o notíciário internacional de qualquer periódico ou canal televisivo brasileiro, pensaria que fazemos fronteira com EUA ou Europa", reflete Castro.

 

Para a doutora em Geografia Humana, Germana Ramirez, este sentimento de  desprezo relacionado a irmandade latina é resultado de ações pontuais dos EUA para evitar um possível agrupamento dos países em causas comuns ou em interesses comerciais comuns. "Isto tornaria a latinoamerica uma potência insuperável. Temos os recursos, o clima, e o espirito cooperativo. Não haveria (e nem há) qualquer benefício para que o mundo incentive esta união", afirma. Ela também enfatiza que nossa educação, formatada por esta dominação norte-americana em moldes imperialistas, ensina deste a infância que nascemos em um lugar ruim. "Nossa terra é mais pobre, nosso estilo de vida ruim, nossos produtos sem qualidade e tudo que é bom está no hemisfério de cima", explica.

 

O professor Iglecias corrobora esta opinião ao afirmar que a culpa deste desconhecimento e sentimento de desprezo é da elite brasileira que, afeita aos maneirismos (inicialmente europeus) e depois norte-americanos preservou a educação brasileira nestes formatos. "Nunca vi nenhuma pesquisa sobre 'o que' e 'o quanto' de América Latina o brasileiro médio sabe. Mas posso apostar que é muito pouco", declara. Segundo ele, isto configura um problema grave, já que, em um mundo globalizado e dividido em grandes blocos, seria de extrema importância, estratético a aproximação de nações com as quais um país tem identificação histórica, geográfica, cultural e econômica.

 

 Nossa escola e nossa imprensa detém grandes parcelas de culpa no desconhecimento gigantesco que o brasileiro tem sobre seus vizinhos. "Muito pouco se ensina sobre América Latina para crianças e adolescentes. É provavel que o assunto mais abordado seja a Guerra do Paraguai, e em versões distorcidas", analisa Iglecias. O sociólogo também enfatiza que heróis (tanto da esquerda quando da direita) que se envolveram na libertação da latinoamerica quase nunca são citados nas escolas. É o caso de San Martín, Sucre, Hidalgo, Artigas ou Simón Bolívar. "Bolívar, inclusive, foi muito mais que um brilhante militar. Foi um pensador com sólida formação intelectual. O Libertador passa em 'brancas nuvens' até em cursos de Ciência Política das universidades brasileiras", se indigna.

 

 Lucia explica que as relações culturais entre Brasil e seus vizinhos estão maculadas exatamente por este jogo de construções identitárias e de alteridades. "Um dos principais mecanismos utilizados para esta construção é a mídia", comenta. Um exemplo disto é o fato de a imprensa internancional construir um cenário em que o Brasil é superior aos demais países do grupo. Esta construção afeta a maneira como vemos os povos irmãos e como eles nos veem e aceitam nossa intervenção. Iglecias aponta outro ponto importante, relacionado à atuação da mídia brasileira quanto ao tema da latinoamerica. "Quantos correspondentes de jornalismo temos na América Latina? Pouquíssimos. E que temas são recorrentes em nossos jornais? Copa Libertadores, crise econômica argentina, regime cubano, comércio na fronteira paraguaia, trafico de drogas no México e Colombia, e por aí vai", analisa.

 

 O conhecimento do brasileiro sobre seus vizinhos, mediado pela  imprensa, geralmente se foca em assuntos que geram sensação de caos, de inferioridade civil, etc. A começar que os personagens latinoamericanos mais conhecidos são: Maradona, Fidel Castro, Che Guevara, Hugo Chavez. "O Fato é que nada sabemos, ou quase nada, da região do mundo em que estamos inseridos. Nossa elite branca e endinheirada sempre olhou para a Europa e depois EUA" comenta Iglecias. Germana, por sua vez, acredita que a mídia está vendida a interesses desta elite, interesses norte-americanizados. "Ela (a mídia) boicota até mesmo o Brasil. Nada sabemos das favelas em Florianópolis, por exemplo. Mas fala-se tudo sobre seca no nordeste. Se ela boicota até a diversidade brasileira, que dirá da diversidade latinoamericana?", diz.

 

Para a doutora, a  melhor maneira de conter os estragos que a mídia causa devido a má cobertura do tema, seria investir em medidas direcionadas à escola. "Assim como a grade curricular agora precisa agregar em seu conteúdo as histórias da África, por causa de nossa origem africana, o mesmo deveria ser feito para criar afinidades culturais com a hispanoamérica", reflete. Para a grande massa brasileira, elite ou não, lugares como Bolívia e Peru são, no máximo, destinos turísticos exóticos. Venezuela, Colômbia e México, além de todos os esteriótipos criados e propagados pela mídia, significam roa de passagem para os EUA. Equador, Guatemala, Panamá, República Dominicana e mesmo Cuba, são mistérios tão grandes quanto o Ceilão ou a Tailandia.

 

Como mudar estes conceitos? "Ensinando, somente ensinando, o que é America Latina, quem são os latinoamericanos" enfatiza Iglecias. Quem ensinaria? Germana soluciona a questão dizendo: "O movimento começa na escola, nas classes de base, mas deve estender-se a muitas outras esferas. Ao lar, por exemplo, e principalmente à mídia".

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