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Universo paralelo

 

Em “Cem Anos De Solidão”, Gabriel García Márquez explica em uma imensa metáfora como se constroem as diferentes culturas do mundo. A história da América Latina é a prova viva de que devemos entender o mundo que nos cerca.

 

Emanoel Junior

 

O homem é impressionante. Considerado o principal autor da América Latina, o prêmio Nobel de Literatura de 1982 impressiona a humanidade com a riqueza de suas histórias. Segundo ele, seus contos serviam para “dar uma saída às experiências que de algum modo me afetaram durante a infância”. Além de se tornar um momento de paz, a leitura de Gabriel García Márquez se tornou um importante ponto entre ficção e realidade. Com influências das histórias contadas por seu avô, Márquez tinha um talento claro de retratar um realismo indefectível. O autor consegue potencializar a experiência, inserindo o leitor em seu universo paralelo.

 

Além do talento geral de GGM, Cem anos de solidão é uma história pontualmente interessante. O argumento se passa no vilarejo fictício de Macondo, fundado pela família Buendía-Iguarán. Assim como um mundo que se inicia, com suas regras, suas nuances, Macondo vai criando vida e cada circunstância, por menor que pareça, compõe a história daquele povo. As pequenas escolhas diárias e impulsivas de José Arcadio Buendía, a personalidade serena e calma de sua esposa, Úrsula Iguarián, a influência mística e misteriosa do cigano Melquíades. Todos esses elementos vão se relacionando e criando regras para as próximas gerações, que sofrem ou triunfam por saber lidar com essas regras.

 

 A cultura de muitos povos foi concebida dessa forma e continua sendo lapidada assim. Quando colonizadores chegaram ao Novo Mundo, os povos daqui já tinham seus costumes, suas práticas. O choque de realidades foi intenso e a falta de alteridade com a cultura do outro foi real. A catequização de nossos povos foi o símbolo maior da incompreensão. O brilho nos olhos do leitor ao descobrir as particularidades de Macondo deveria se repetir nos olhos de nossos “descobridores”.

 

 Além, ainda, do contexto cultural, Cem anos de solidão nos conta um pouco da formação da personalidade humana. É impressionante ver como certos traços de personalidade se repetem entre pais e filhos, tanto no livro quanto na vida real. Parte por condução genética, parte por influência e convívio. A pergunta que me faço é: até que ponto não somos pequenos exemplares de nossos antepassados? Até que ponto deixamos de copiar vícios de criação e começamos e ser novas pessoas? Por muitas vezes, ainda adultos, somos um conjunto de características aleatórias de nossos pais, contraídas desde a gestação (fetos aprendem e se traumatizam, mas isso é outra história) até o dia a dia.

 

 O mistério da vida é enfatizado no livro. O autor não explica por muitas vezes os acontecimentos e deixa a imaginação do leitor criar razões. A vida do personagem Melquíades retrata esse lado.  Os pergaminhos por ele escritos não revelam seus porquês. José Arcadio Segundo diz sentir a presença de fantasmas e o mistério também não é revelado. Estes fatos mexem com o nosso senso de sobrenatural e intensificam a experiência do livro.

 

 A obra de Gabriel García Márquez não é uma das mais representativas da língua espanhola à toa. Levanta os mais profundos questionamentos humanos, como nossas raízes pessoais e culturais. Melhor do que isso, ele não nos deixa sem resposta. Nas entrelinhas, nos diz que somos fruto de um punhado de circunstâncias, muitas das quais jamais conseguiremos compreender e que, portanto, devemos ser menos senhores de verdades. A vida e nossos conceitos são fruto de experiências diversas. Com seu universo surreal, GGM contesta nossa realidade com classe.

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