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... É que alguns são mais iguais do que outros...

 

Andréia Moura

 

Uma massa dominada, oprimida, em estado constante de medo; um ditador bom de retórica, parcial e mentiroso contumaz; um grupo de intelectuais abnegados, sonhadores e livres de preconceitos; por fim uma revolução que quebra a tirania e muda a ordem social vigente. Conhece o roteiro? Sem dúvida um dos mais explorados nas diversas soberanias por aí. Mas e esta revolução, será que muda alguma coisa mesmo?

 

Aos 15 anos fui apresentada a um dos clássicos da literatura mundial: A Revolução dos Bichos. A obra, escrita em 1945 por George Orwell (pseudônimo do inglês Eric Blair), é uma fábula (aparentemente) bem simples buscando parodiar a Revolução Russa. Mas a verdade é que seu mote continua tão atual, verdadeiro, rico em significados quanto nos dias em que foi escrita. Na época de minha primeira leitura (auge da adolescência) eu apenas começava a entender a Revolução Russa, era ainda um bebezinho em relação às reflexões mais profundas que o trabalho de Orwell pretendia propor. Ainda assim, sua analogia sempre me impressinou (e ainda me impressiona). A cada leitura (em diferentes fases da vida) sou levada a novas percepções, a novo nível de compreensão, reflexão e auto-crítica. Prova de que determinados discursos podem ser infinitesimais.

 

Em A Revolução dos Bichos, Orwell conta a história da Granja do Solar, uma fazendinha em que os habitantes (diversas espécies de animais) eram oprimidas por um humano, o sr. Jones. Além de beberrão e violento, Jones só pensava no lucro. Explorava a produção e alimentava mal a bicharada. É neste contexto que surgem 3 porcos estudados e sonhadores. Major, o mais velho (e mentor intelectual do grupo), sonhava em construir um lugar onde os bichos trabalhassem para o bem comum, onde houvesse o fim da exploração, um lugar onde todos finalmente fossem considerados iguais. O velho porco acaba morrendo sem ver a revolução se concretizar, mas seus dois discípulos, Bola-de-Neve e Napoleão, por fim expulsam Jones da fazenda e mudam o nome do lugar para Granja dos Bichos.

 

No começo é só alegria. Os dois porcos dirigem o lugar com firmeza e justiça, dão ouvidos ao que a bicharada tem a dizer e,  entendendo ou não de política, economia ou sendo bom ou não no discurso, todo mundo tem direito a voto. É durante as grandes assembléias organizadas entre os animais que são votados os 7 mandamentos da nova Granja: "qualquer coisa que anda sobre duas pernas é inimigo"; "o que anda sobre quatro pernas ou tem asas é amigo"; "nenhum animal usará roupa"; "nenhum animal dormirá na cama"; "nenhum animal beberá álcool"; "nenhum animal matará outro animal"; e "todos os animais são iguais". 

 

Com o tempo, Napoleão começa a incomodar-se com o pacifismo de Bola-de-Neve e organiza um golpe de Estado. Ao assumir o poder, as coisas vão mudando gradualmente. Napoleão, pouco a pouco passa a protagonizar atitutes características do sr. Jones, antes duramente criticadas por ele. Começa a usar roupas, a beber, a dormir em camas, a negociar com os humanos, a matar seus pares, a explorar sem escrúpulos.  Ao fim, a Revolução dos Bichos se transforma naquilo a que estão fadadas todas as revoluções: tirania. (Por vezes mais abusiva que a anterior).

 

Aos que gostam de classificar a obra do inglês apenas como uma critica ao socialismo e comunismo, afirmo ser esta uma visão demasiadamente simplista. Orwell apresenta, em sua fábula bem construída, muito mais do que uma paródia a estas metanarrativas. A Revolução dos Bichos é um ensaio sobre comportamento humano. Ao atribuir a seus personagens características tão comuns a nós (ingenuidade, crueldade, egoísmo, autoritarismo, indignação), ele prova que o poder é a mais perigosa de todas as posições. É o local onde o indivíduo está passível de ser corrompido, é vunerável a corrupção. Não porque sempre alimentou intenções maléficas, mas porque é no poder que emergem os mais inerentes dos sentimentos: egoísmo e ambição.

 

Não podemos nos furtar de comparações a atual situação brasileira e às recentes investigações direcionadas ao caso de corrupção na Petrobrás, a Operação Lava Jato. E longe de me render aos discursos direitistas de revolução, afirmo que o caso tem pouco a ver com uma bandeira partidária específica, mas representa sim, uma característica a que se rendem todas as revoluções e os governos que insistem em se perpetuar (indefinidamente). Certa acomodação e conforto, certo cruzamento de fronteiras, certo relativismo de princípios, advindos de uma equivocada perenização política. (A alternância de poder, sem dúvida, é absolutamente necessária para evitar tais problemas).

 

O caso da Petrobrás é o atual governo dizendo ao povo (tal qual Napoleão disse aos bichos): "nenhum animal dormirá em camas, COM LENÇÓIS"; "nenhum animal beberá, EM EXCESSO", "todos os animais são iguais, MAS ALGUNS SÃO MAIS IGUAIS DO QUE OUTROS". É o contrapoder se rendendo às comodidades do poder, é a revolução relativizando a tirania. E antes que me venham dizer que tudo isto é culpa da Dilma, ou do Lulismo, volto a repetir: esta é uma visão pequena e tão ingenua que me assusta. Obviamente o Lulismo tem sua parcela de culpa, uma parcela gigantesca. Mas não por ser Lulismo, e sim por representar este "ciclo de padronização"  pregado por Habermas. Para o pensador alemão, todo movimento de resistência, com o tempo, é engolido pelo sistema, se transforma em sistema, perde seu poder de contestação.

 

A culpa é, na verdade, de uma educação mediocrizada. Uma educação despolitizada, uma educação simplória. Qualquer revolução (e me atenho primariamente a uma revolução em nosso país), representa a ascensão da contestação ao poder, sua consequente corrupção seguida da apatia e ignorância de seus dominados. Uma massa educada, entenderia, que a revolução jamais se dará (efetivamente) por meio da via eleitoral. Afinal, todo pleito se constitui por meio de alianças, que fortalecem candidaturas, ao passo que também geram obrigações dos eleitos em relação a interesses de grupos específicos. Provocando, consequentemente, negligência quanto ao bem da nação como um todo.

 

Fato é que, enquanto nada disto mudar, enquanto a revolução não atingir as bases desta sociedade (a saber, uma educação para a reflexão, para a criticidade), seguiremos "revolucionando" e "revolucionando". No entanto, uma coisa jamais mudará: continuaremos submetidos, seja a porquinhos esquerdistas,  ou porquinhos direitistas. Continuarão (em qualquer vertente) a nos dizer que "todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros".

 

Já faz algum tempo (longo tempo) que cansei de ser "bichinho da fazenda". Você não?

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