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A conversa dos números

 

A alta procura por cirurgias plásticas no Brasil não é sinal de vaidade, mas de uma baixa autoestima generalizada imposta pelos devaneios da mídia 

 

Alysson Huf

 

Falemos de números. O Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking internacional de cirurgias plásticas. Só em 2013 foram realizados aproximadamente 1,5 milhão de procedimentos dessa natureza no país. Isso equivale a quase 13% do total mundial. A lipoaspiração é a intervenção cirúrgica mais procurada – pelo menos 200 mil por ano. A faixa etária que lidera a busca por cirurgias para melhorar a aparência é a dos adolescentes e jovens, mais de 900 mil em 2012. E os números não param de crescer.

 

Pois bem, números dizem coisas. Muitas coisas. Falam de tudo. Parecem até velhas comadres mexeriqueiras numa monótona tarde de domingo, de tanto que falam. Mas, nesse caso, o que os números estão nos dizendo? Que o brasileiro está cada vez mais rico? Que as cirurgias plásticas estão mais baratas? “Eles estão falando que o brasileiro é muito vaidoso!”, alguém pode pensar. Será mesmo? Será que é sobre vaidade que eles estão conversando? Não. Eles estão dialogando com outros números sobre um assunto muito mais delicado. Tão delicado e sutil que nos afeta imperceptivelmente: a baixa autoestima.

 

Mais números: uma pesquisa realizada pela Dove, marca de linha de higiene pessoal e beleza, revelou que apenas 4% das mulheres do mundo se consideram bonitas. Mais da metade ou 54% reconhecem que são suas piores críticas quando se trata da aparência. Já uma pesquisa elaborada pela Strategy One apontou que 5% das mulheres se acham atraentes, 42% afirmam possuir uma aparência média e nenhuma das 3.200 entrevistadas (em dez países) considera-se sexy. Triste mesmo é saber que 10% delas afirmaram que abriria mão de 25% da inteligência em troca de 25% a mais de beleza. Os números, que não cansam de tagarelar, ainda comentam que 72% das jovens se sentem extremamente pressionadas a ser bonitas. Sim, pressionadas. Mas, por quem?

 

Pela mais ardilosa e perturbadora das tiranias, que carinhosamente chamamos de “Ditadura da Beleza” e cujo arauto oficial não poderia ser outro que não a mídia. Ignorada pela maioria da população, a opressora mão-de-ferro deste regime está presente na vida de todos os povos, permeando o cotidiano de cada indivíduo e impondo subliminarmente seus ditames cruéis e inflexíveis: cabelos lisos, silhueta esbelta e um manequim 36 para as mulheres; e um corpo musculoso, barriga trincada e queixo quadrado para os homens. Quem não se encaixar nesse perfil comete crime contra o sistema, podendo ser punido com o completo repúdio da sociedade – além da já mencionada autoestima baixa. Ser feio (três batidas rápidas na madeira!) em nossos tempos, pode levar à total obsolescência existencial.

 

Na busca por se encaixar no padrão físico dos deuses gregos, vale tudo. Inclusive colocar a vida em risco. Casos de pessoas que se submetem a cirurgias estéticas arriscadas e desnecessárias são mais comuns do que se pensa. Tem muita gente que, ao ter sua plástica negada pelo médico sob a alegação de ser um procedimento demasiado perigoso, procura um médico “meia-boca” e irresponsável para executar a desejada transformação. O resultado disso? Os números podem contar: 33% dos processos contra médicos é resultado de lipoaspirações malsucedidas. E essa conta não inclui as outras operações plásticas, nem os casos de ingestão de anabolizantes proibidos, nem os de pílulas de emagrecimento com poderes milagrosos muito questionáveis. Bulimias, anorexias, vigorexias e mortes resultantes dessa busca frenética aumentam a cada ano.

 

Estar satisfeito com a própria aparência mesmo que ela não se encaixe nos padrões que a mídia proclama é algo que não pode ser alcançado sem grandes sacrifícios sociais e uma semidivina força mental. Engana-se, porém, quem acredita que obedecer às exigências dessa ditadura traz paz e felicidade. E são os números, neutros, imparciais e linguarudos, que nos dão essa informação. Uma pesquisa realizada com 200 modelos apontou que 20% delas têm anorexia, 15% sofre com bulimia, 30% são atacadas por crises depressivas e quase todas estão insatisfeitas com a aparência que possuem. “Ora”, você se pergunta, “não há sossego e tranquilidade nem dentro nem fora desse regime de vaidades?”. Não. Um mundo em que todos são saudáveis e satisfeitos com sua aparência ainda é uma realidade muito distante. Talvez, um dia os números nos tragam melhores notícias. 

 

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