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Envelhecer: incapacidade de ver a beleza

 

Thamires Mattos

 

Desde pequena, Amanda percebeu que as crianças são flores com espinhos, ou seja, ao seu ver, elas podem ser preconceituosas. No início do Ensino Fundamental, a menina tinha uma aparência diferente das colegas. Na época, seus pais estavam separados e seu pai decidiu cortar o cabelo da criança. Quando olhou para o novo visual, Amanda achou “ridículo”. Por isso, passou por outro corte de cabelo para reparar o primeiro penteado. A mãe aprovou, pois acreditava que seria uma maneira de prevenir piolhos, os quais são comuns em ambiente escolar. Ela já não tinha mais as madeixas longas e castanhas de antes. Ao chegar à sala de aula, foi recepcionada com ofensas e xingamentos.

 

A temática das conversas paralelas faziam alusão à dúvida da feminilidade da jovem. “Certa vez eu fui em direção ao banheiro feminino e meus colegas trancaram a entrada. Eles me obrigaram a usar o banheiro masculino. Chorei muito”, lembra com tristeza a hoje mulher, universitária e dona de um longo cabelo, Amanda Salomoni. A jovem acredita que o padrão de beleza imposto sobre ela durante a infância afeta sua vida até hoje.

 

Histórias como a de Amanda não são isoladas. De acordo com uma pesquisa divulgada em 2010 pela organização não- governamental Rathbone, 56% das jovens inglesas e galesas de 16 a 22 anos sofreram abuso verbal, físico ou online por conta de sua altura, peso ou estilo de cabelo. Já no Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) chegou a conclusão em 2012 de que alunos obesos da rede pública e privada de ensino são grandes vítimas de preconceito e agressão. Cerca de 132 mil estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental participaram da pesquisa. Entre eles, 54% que se acham “muito gordos” afirmam que são vítimas de bullying na rede pública. Já nas escolas particulares, essa porcentagem sobe para 63%.

 

Atuação da mídia na Indústria da Beleza

De acordo com a doutora em Ciências Sociais Paula Melani Rocha, a mídia representa e explora estereótipos de beleza muito distantes da realidade. “Há um aumento da busca pela perfeição. Isso cria uma insatisfação com o corpo e incentiva o consumo excessivo de cosméticos. Ser ‘inalcançável’ é o que aumenta a busca”, afirma Paula. A socióloga também ressalta que não são apenas jovens que sofrem com a pressão por aspecto belo. “Podemos tomar por exemplo as mulheres que trabalham em frente às câmeras. Elas devem seguir um padrão de aparência que esteja de acordo com os valores de nossa sociedade em geral. Na grande maioria, não vemos mulheres acima de cinquenta ou sessenta anos apresentando jornais. Até pouco tempo atrás, nem cabelos cacheados ou compridos eram utilizados”, lembra.

 

Já a coordenadora do Curso de Tecnologia em Cosmetologia e Estética da Universidade do Vale do Itajaí - Univali, Juliana Cristina Gallas, discorda da visão da socióloga. Juliana argumenta que “o mercado não exige um padrão de beleza, e sim funcionários saudáveis. Se analisarmos obesidade como doença, alguém obeso sempre colocará em dúvida o seu rendimento. Por isso, empregadores sempre terão também ressalvas”. Entretanto, a esteticista destaca que, mesmo que a mídia e a sociedade enalteçam um padrão de beleza “magro”, isso nem sempre é verdadeiro. Pois, ser uma pessoa magra não é sinônimo de ser uma pessoa saudável.

 

Paula opina que no jornalismo esportivo a exigência pela “aparência perfeita” aumenta, pois a audiência é majoritariamente masculina. “Nesse caso, não se preza apenas pelo conteúdo, pois ele está atrelado à aparência que, por sua vez, está ligada à construção cultural da mulher como um ser sedutor e atrativo aos homens. Dessa forma, é fácil perceber que vivemos em uma sociedade machista”, diz a doutora em Ciências Sociais.

 

Mudanças de comportamento

Mesmo em uma sociedade em que o machismo impera, a socióloga reconhece que muitos comportamentos estão mudando – inclusive por causa da Indústria da Beleza. “Agora, os homens também podem se cuidar. Isso revela um dos grandes poderes desse mercado que é muda a cultura em vigor e, também, o jeito de agir das pessoas”, explica Paula.

 

De acordo com a cosmetóloga Juliana Gallas, o mercado da beleza está em crescimento há 10 anos e vem se preocupando com a qualidade dos produtos e serviços oferecidos. Contudo, mesmo assim, o indivíduo que passa por tratamentos de beleza e cirurgias plásticas deve se preocupar com os procedimentos pré e pós-cirúrgicos. “Muitas pessoas entendem a cirurgia plástica como um processo fácil para ficar mais bonito, emagrecer. Na realidade, pode acontecer um efeito contrário se precauções não forem tomadas. Esse tipo de processo auxilia e favorece a manutenção da estética do corpo, mas não é a única ferramenta para isso. A pessoa deve fazer os devidos exames e passar por um acompanhamento profissional para que não tenha nenhum prejuízo durante ou após a operação”, argumenta Juliana.

 

Tendências do mercado estético

O Brasil já lidera o ranking de cirurgias plásticas - dos 11,6 milhões de procedimentos realizados no mundo, 12,9% são feitos em nosso país. Indo na contramão de outros setores do mercado que sofrem com a crise econômica internacional, a Indústria da Beleza fatura cada vez mais. O chamado “Índice batom” foi notado, pela primeira vez, pelo presidente da fábrica de cosméticos americana Estée Lauder, Leonard Lauder. Logo após a queda das Torres Gêmeas e a baixa atividade econômica estadunidense em 2001, a venda de cosméticos cresceu.

 

De acordo com informações da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal e Perfumaria (Abihpec), em 2010, ano em que o Brasil cresceu 7,5%, o lucro do setor foi de aproximadamente R$ 30 bilhões. Com a previsão de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2014 em apenas 0,15%, a expectativa de rendimento do setor em 2015 é de R$ 42,6 bilhões – 42% a mais do que em 2010.

 

Seria a Indústria da Beleza tanto um “baú do tesouro” quanto uma “fonte da juventude” não-mitológica? Para Juliana Gallas, sim. “Quando você compara a crise que vivemos em nosso país e analisa uma clínica de estética, é possível perceber que as pessoas não deixaram de consumir esses produtos. Alguns itens do mercado da beleza se tornaram prioritários. As ofertas de serviço e de procura aumentaram”, confirma a cosmetóloga. Já Paula Rocha tem outra opinião: “a curto prazo, a tendência da nossa sociedade é cuidar mais da estética; mas, a longo prazo, não temos como saber. Alguns salões de beleza que resistiram à crise já estão fechando”, diz a socióloga.

 

O escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924) acreditava que “quem possui a faculdade de ver a beleza não envelhece”. Assim, a busca pela fonte da juventude é desnecessária, já que a verdadeira jovialidade e perfeição não derivam apenas de aspectos exteriores, mas sim da capacidade de enxergar também o cerne humano. 

À esquerda, Amanda Salomoni com 6 anos e o cabelo curto, que foi alvo de ofensas e xingamentos durante o período escolar. Hoje a jovem usa o cabelo longo (direita)

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