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O que faz linda, uma mulher?

 

Quando um empresário bilionário se apaixona por uma prostituta, o conceito de beleza interior é posto à prova 

 

Aline Ludtke

 

Um bilionário antissocial que não consegue manter relacionamentos amorosos. Uma garota que se prostitui por “não lhe restarem outras opções”, mas que ainda acredita em contos de fada. De acordo com Hollywood, essas duas pessoas de polos totalmente opostos formam o par perfeito. Só que, antes de perceberem isso, a garota precisa de uma pequena transformação. À primeira vista, o filme escrito por J. F. Lawton e dirigido por Gary Marshall parece ser mais uma fórmula clichê de “Cinderela”, onde há um príncipe encantado e um final feliz. Confesso que fui assistir ao filme pela segunda vez armada de pensamentos como os do tipo acima e fui surpreendida.

 

A filmagem começa com um contraste entre a atmosfera glamourosa da elite de empresários e investidores e a obscuridade da vida noturna da Hollywood Boulevard. Quem apresenta ao telespectador essa espécie de “submundo” são as curvas de uma Julia Roberts de 22 anos, apenas de lingerie, se levantando da cama para mais uma noite de trabalho. Pode-se entender tais cenas como uma certa desvalorização da mulher, como se, por ela ser prostituta, sua imagem pudesse ser exposta livremente. Talvez assumir a profissão dê a entender que ela não merece o respeito reservado à mulheres ditas “de bem”. Mas logo no início de sua aparição no filme, a personagem Vivian deixa bem claro que ela, e apenas ela, tem o direito sobre seu corpo, com o bordão “nós dizemos quem, nós dizemos quando, nós dizemos quanto”. Por outro lado, sua condição de típica mocinha é revelada em sua inquietação quanto à vida que leva e os sonhos que ainda guarda consigo. Enquanto isso, sua amiga Kit é cética e já não pensa mais na possibilidade de outra realidade.

 

Finalmente, ocorre o encontro providencial. Justamente numa noite que seria “parada” para as duas damas da noite, o bonitão de Nova Iorque, interpretado por Richard Gere, perde-se nas ruas de Los Angeles, indo parar exatamente no ponto de Vivian. Como todo bom galã, ele não perde a pinta e após se ver sem alternativas, aceita ser ajudado pela prostituta que cobra o auxílio esperando algo mais. De forma incomum, os dois travam uma conversa até o destino, de forma que Edward vê em Vivian algo que o cativa.

 

Solitário, mesmo contratando os serviços da moça, ele parece querer algo mais do que o puro prazer físico. E é nessa busca implícita que o empresário contrata Vivian como sua acompanhante de compromissos trabalhísticos durante uma semana. Previsivelmente, os poucos dias tornam-se suficientes para o desenvolvimento de fortes laços entre o casal que encerra o filme com o esperado beijo de final feliz.

 

Alguns pontos chamam a atenção, como a transformação de Vivian. Evidentemente, para acompanhar um bilionário em eventos da mais alta classe, ela não poderia ir vestida com a maior parte de seu corpo à mostra. Mas será que foi apenas depois de provar que poderia ter “classe” que a moça conquistou Edward? Na verdade, logo antes da primeira noite dos dois, ele se mostra surpreso por Vivian se preocupar em passar o fio dental, antes de consumarem o ato. Isso denota as baixas expectativas direcionadas à moça, pois, afinal de contas, “ela é uma prostituta”. Além disso, o empresário chegou a pensar que ela estivesse usando drogas, pela hesitação de Vivian em revelar o que estava fazendo.

 

A clássica cena da loja de roupas é mais um exemplo do árduo processo pelo qual a protagonista passou para sair da condição de gata borralheira. Ao entrar numa imponente boutique da avenida Rodeo Drive, logo foi olhada com desdém, e, mesmo afirmando possuir o dinheiro para pagar por roupas “mais conservadoras”, foi expulsa da loja por “não terem roupas para pessoas como [ela]”. Muitos fãs do longa vibram com a pequena vingança de Vivian, quando ela, já adequada aos padrões estabelecidos pelas vendedoras, volta à loja e “joga na cara” o quanto elas poderiam ter faturado se não a tivessem julgado. Quando participava de momentos sociais, Vivian era tratada com muito respeito e até certa admiração por pessoas que nem sonhavam com a sua verdadeira profissão. Entretanto quando Stuckey, advogado e amigo pessoal de Edward, descobre seu ofício, passa a tratar a moça de forma vulgar e desrespeitosa.

 

Até então, o quadro geral parece indicar que sem a ajuda salvadora de Edward, Vivian nunca mudaria de vida, a qual – a exemplo de sua amiga, Kit – só pioraria com o passar do tempo. O que seria da princesa sem seu príncipe do cavalo branco?

 

É quando a última frase do filme abre espaço para uma suavização de tal hipótese. Quanto mais convive com a moça, mais Edward entra em contato com seu lado sensível, e sua moral parece elevar-se a ponto de interferir em seus negócios. Por mais que tudo na sociedade em que Edward vive estabeleça um alto padrão a ser mantido, o que faz de Vivian "Uma Linda Mulher" é justamente estar abaixo dele. Suas baixas expectativas sobre si mesma não a levaram a um bom lugar, é verdade, mas a fizeram mais honesta e sincera. Em vez de ostentar uma aparência impecável e “decente”, cultivava sonhos, sentimentos e uma humanidade que a hipocrisia e a mais cara peça de roupa da Rodeo Drive jamais poderiam dar. 

  
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