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Esperança volta pra África

 

Luiz Gustavo Santos

 

 

- Mãe, eu vi na tevê que o Ebola chegou ao Brasil e já matou quinze pessoas no Rio. Tô com medo! Como a gente vai se proteger?

 

- Sente aqui, filha. Tente manter a calma. É difícil saber como iremos nos proteger, até porque nos Estados Unidos tem muita gente sofrendo e ainda não encontraram uma maneira de conter a doença, muito menos de obter a cura.

 

- Mas e aqui? Fiquei sabendo que até fizeram uma simulação no aeroporto em São Paulo com um paciente infectado. Pena que chegou ao Rio primeiro. Mas onde surgiu essa doença, mãe? A tevê e o jornal nunca dizem, sempre mostram apenas o sofrimento e o quanto é difícil de acabar com essa maldição.

 

Jornal Nacional – Boa noite! O surto de Ebola desencadeado nos Estados Unidos chega ao Brasil. O causador de milhares de mortes cruzou a Linha do Equador trazendo medo. No entanto, as atenções se voltaram para o continente africano nestes últimos dias, onde o vírus do ebola ainda não conseguiu chegar. Os médicos mais conceituados na Angola estão desenvolvendo um soro capaz de combater o vírus. A solução ainda se mostra distante, apesar das recentes descobertas.  

 

- Filha, de fato devemos nos precaver, mas não devemos acreditar em tudo que a mídia diz. Ela não está tão preocupada assim em contextualizar. Ela apenas comenta o que estão dizendo. Pelo menos aqui é assim. Ah, e em relação ao local de surgimento dessa doença, por ironia ou não, li na internet que o vírus surgiu, pela primeira vez, em um rio no Congo.

 

- Então aqui também não será diferente, mãe. Foi no Rio de Janeiro o primeiro caso. Que coincidência! Mas isso a tevê não conta, né. Olha a vovó no sofá. Ela não merece isso! Vamos fazer o seguinte, mãe. Não quero mais viver nessa paranoia, chega de tevê. Não aguento mais.

 

Minha irmã, Esperança, é apenas uma criança de doze anos bombardeada pela mídia a todo momento. Ela é muito curiosa e tem um instinto crítico igual ao nosso pai. Minha mãe, Maria das Dores Quissola, é médica especializada em infectologia e trabalha no hospital Sírio-Libanês. Nossa avó, Maria das Graças Quissola, completou 79 anos mês passado e foi ela quem nos criou a vida toda. A mamãe estava muito ocupada com a carreira médica brilhante que teria pela frente. Esperança sempre fez questão de que vivêssemos o mais feliz possível. Seu lema de vida era que “a tristeza é uma realidade que não deve ser vivida por ninguém”.

 

Isso eu li uma vez em um caderno todo colorido que ficava sobre a escrivaninha de seu quarto. Deve ser por isto que ela tenta nos proteger de tudo o que poderia nos fazer mal.

 

-Dois meses depois-

 

Jornal Nacional – Boa noite! O Ministério da Saúde alerta toda a população brasileira sobre os cuidados para prevenir que o vírus ebola se instale nas casas. Sabemos que hoje já são mais de mil e quinhentos casos em todo o país. Combater uma epidemia nunca foi tão difícil...

 

- Porque desligou a tevê? Esperança, volta aqui, agora!

 

Correndo para o quarto com lágrimas nos olhos, Esperança não diz nada, apenas volta para a cama de onde não saía a um bom tempo. Seu irmão mais velho, Jorge, vai até o quarto, abre a porta e pergunta a irmã se pode entrar, ela responde que sim. O diálogo não seria fácil, mas Jorge diz à irmã que não iria adiantar ficar daquele jeito. Esperança diz que só queria fugir com ele e o restante da família para um lugar tranquilo onde não existisse o ebola, como na África, pois lá eles não seriam atormentados a todo instante e poderiam viver tranquilos. Jorge não disse mais nada, apenas acariciou os longos cabelos dourados da irmã, que aos poucos adormeceu.

 

-Esperança, Esperança, acorde. Está na hora do seu remédio.

 

A menina africana, aos poucos, abre os olhos e depois de dormir durante três dias, a primeira coisa que vê é um teto branco de plástico, como se estivesse em uma tenda de ajuda humanitária. Depois enxerga um homem de branco e logo as dores terríveis começam a voltar. Ao olhar para os lados observa a sua família, que se encontra no mesmo estado, menos a avó, Maria das Graças, que faleceu a poucas horas. Esperança toma seu remédio e espera conseguir voltar a dormir, pois “a tristeza é uma realidade que não deve ser vivida por ninguém”.

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