top of page

Espreme que sai Ebola

 

Thamires Mattos

 

Comentários exaltados de “defensores da vida” imperam em todos os tipos de matérias publicadas sobre a epidemia de Ebola. Médicos e farmacêuticos renomados estão na corrida para criar a primeira vacina (e/ou cura) eficaz para a doença, que mata, atualmente, cerca de 65% dos infectados. O grande problema é que, no fundo, esquecemos que o inimigo principal não é o vírus – é o medo.

 

O terror causado pela epidemia afeta tanto a algumas pessoas que elas não conseguem mais viver, apenas sobreviver. Em situações como essas, criamos hábitos para a vida toda. Depois do surto de Influenza H1N1, aposto que você (ou algum conhecido) lava as mãos com muito mais frequência e tende a passar álcool gel mais vezes também. A verdade é que adquirimos os hábitos criados pelo medo, mas o H1N1 continua existindo e se modificando. O terror é constante – a diferença é que não vende mais. Virou calhau. Qualquer um pode tomar vacina contra a Gripe A, mas não esquecemos que estamos “aptos” a contraí-la também. Isso já faz parte da nossa existência. O Ebola ainda não.

 

Não quero aqui negar a existência de milhares de pessoas infectadas por esse vírus altamente perigoso, afinal, isso é irrevogável. Fechar os olhos para a desgraça causada pelo Ebola é o mesmo que dizer que Eduardo Campos não morreu – estupidez profunda. O “x” da questão é que o medo mata mais que o vírus. Sempre foi assim e a grande mídia não oferece muita possibilidade de mudança. O especialista da Divisão de Doenças Virais Especiais do Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA (CDC), Craig Manning, afirmou à Folha de S. Paulo que o número de pessoas com a doença seria muito maior se a Ebola fosse transmitido facilmente. “O que temos é um pequeno número de pessoas com uma doença horrível e incurável”, ressalta categoricamente.

 

A falta de conhecimento da população dos três países mais afetados (Guiné, Serra Leoa e Libéria) é um fator contribuinte para a disseminação do combo “medo mais vírus”. Muitos se recusam a acreditar que a doença existe e não tomam as devidas precauções contra uma possível infecção. O vírus Ebola não se espalha pelo ar, o que torna o avanço da epidemia para outros continentes praticamente impossível. Para ser infectado, é preciso ter contato com algum fluído corporal de um doente, sendo que homens já curados podem transmiti-lo através do sêmen até sete semanas após a recuperação. Quem prepara ou vai a funerais dos mortos pela epidemia também corre grande risco de infecção se tiver contato direto com o cadáver – algo que, pasmem, faz parte ativa da cultura daquela região.

 

E a história do “prevenir é melhor do que remediar” se confirma? Sim. Prova-se verdade, pois nas áreas de maior disseminação do vírus, a infraestrutura de saúde e higiene é limitada, promovendo mais mortes. A mídia deixa isso de lado. A prevenção não vende, mas os milhares de mortos geram um lucro do tamanho do medo da humanidade. Segundo a Metabiota, empresa que desenvolve e apoia os esforços de tratamentos para doenças infecciosas em mais de 16 países, incluindo Serra Leoa, a tragédia no oeste da África poderia ter sido prevenida, mas os grandes veículos de comunicação preferiram mostrar as imagens das vítimas.

 

Agora, não adianta mais “chorar o leite derramado”, mas também não há necessidade de fazer “tempestade em copo d’água”. A luta contra o medo é parte esquecida, mas essencial na vida humana. Quando estivermos aptos a enxergar sua necessidade, talvez não teremos tantas tragédias.

 

bottom of page