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Arte e desespero: as cores das emoções humanas

 

Andréia Moura

 

Guerra, fome e loucura. Três dos males mais aterradores da humanidade. Temas de constante inspiração artística, que imortalizaram grandes nomes da literatura, do cinema e teatro, da medicina. Sobre o assunto foram produzidas obras e estudos capazes de afetar/transformar o inconsciente e imaginário social. Aliado a estes universos que concentram amplos espaços para a divagação artística está, creio, o mais terrível de todos: A Peste. E em contexto mais amplo, a enfermidade, a própria morte. Esta última, a pior de todos (certamente), assusta por sua força invisível e devastadora, sua capacidade de atacar inesperada e rapidamente, sua falta de critério na escolha das vítimas.

 

Esta instável e desesperada relação que desenvolvemos com a morte produziu (e ainda produz) um gigantesco número de alegorias, representações pictóricas, trabalhos que revelaram (em maior ou menor profundidade) os medos e fantasmas humanos para cada época. Quando analisamos a produção artística de cada período, as pinturas, a lituratura, a música, não é dificil localizar materiais que falem deste desespero humano frente a inevitabilidade da morte. Os mais aflitivos, percebo, são aqueles que retratam a morte em sua veste mais cruel. A roupa da impotência médica. Da enfermidade insolúvel.

 

Medicina e arte, por exemplo, sempre conduziram seus caminhos muito proximamente. Dois universos complexos, misteriosos, instigando o homem em incansáveis investidas investigativas a fim de tornar palatáveis possíveis conhecimentos inerentes a estes campos. Muitos dos grandes artistas da história se dedicaram também ao estudo do corpo humano, das patologias, dos efeitos medicinais de substâncias diversas. Entre eles podemos destacar gênios como Leonardo Da Vincci e Michelangelo. Quase como que dizendo: conhecer o corpo humano, suas debilidades, suas peculiaridades, é apreender de forma absoluta a perfeita paleta de cores da vida.

 

Restrinjo o foco desta reflexão ao tema da Peste. E, automaticamente, ao conceito de epidemia/pandemia. A idéia de uma população dizimada por um mal incontrolável e incompreensível marcou os registros pictóricos da humanidade. Podemos observar pinturas que retratam o tema desde os primeiros séculos. O pintor Michael Sweerts pinta, em 1610, por exemplo, um retrato da Peste de Atenas. Surto que, sequer, sabemos a que se deveu realmente. Os quadros mais famosos sobre a temática datam do século XV. Epoca em que a Europa viveu em escuridão sanitária, assolada pela terrível Peste Negra. O mal entregou à morte aproximadamente 25 milhões de pessoas. As pinturas que retratam o período falam de impotência, medo, de horror, degradação humana. Da impiedade da morte, atingindo sem critérios, todas as classes sociais. Também revelam a importancia social da figura do médico. 

 

O século XV e os 2 que se seguiram, foram recheados de iconografias lúgubres. Quadros retratando mortos, caveiras como se ainda vivessem, cenas de decomposição, doenças estranhas, experiencias médicas. A maioria dos trabalhos da época, que falam especificamente de peste, carecem de identificação autoral. Obras anônimas, iluminuras, xilografias simples, etc. Um dos mais conhecidos quadros sobre o tema pertence ao espanhol (de origem flamenca) Pieter Bruegel, o Velho. "O triunfo da Morte", como foi chamada a pintura, fala sobre a devastação causada por 2 dos elementos citados no início deste texto. A Peste e a Guerra. Na pintura, a paisagem é pura desolação. Uma exclamação que procura dizer: "a morte passa levando com ela todos e tudo. Nada está livre de seu alcance". A obra é tao rica de significações que, o ideal, seria que fosse analisada em pequenos excertos.

 

Há trechos interessantíssimos como um trovador doente, que apesar do estado de devastação que o cerca, continua a cantar para sua amada. Um pequeno detalhe em que um "bobo da corte" tenta desesperadamente se esconder da morte entrando debaixo de uma mesa. Outra peculiaridade da obra é a cena em que se retrata um monarca morrendo por causa da Peste. Sinal de que nada, nem ninguém, estava livre dela.

 

Minha visão a respeito do que obras sobre o tema significam é pragmática. Há quem diga que tais trabalhos pretendem revelar aspectos emocionais sensíveis do homem. Sua suceptibilidade frente às mazelas, ao desconhecido, ao misterioso, ao aterrador. Seu apego à humanidade. Talvez. Talvez um pouco disto. Mas resisto a pensar no homem como um recipiente passivo em que tais emoções bailam, resisto pensar no homem como instrumento romantico que procura aferrar-se a nostalgias. Artaud, em seu livro "O teatro e seu duplo", afirma algo interessantíssimo: "a arte não é pacificadora". Sua função nao se restringe a nos colocar em contato com sensíveis doces emoções. As formas, a simbologia, as cores, tudo torna visível, multiplica forças e conflitos reprimidos, que liberados, incitam, ainda mais, a crueza de nossa natureza.

O Tirunfo da Morte

Pieter Bruegel, "O Velho" - 1562 - óleo sobre tela

The Plague

Francisco Goya - 1800 - óleo sobre tela

Edgar Poe, A Peste

Ilyas Phaizulline - 1999 - óleo sobre tela

Peste de Atenas

Michael Sweerts - 1610 - óleo sobre tela

Peste de Asdod, dos Filisteus

Nicolas Poussin - 1631 - óleo sobre tela

Peste

Anônimo - Iluminura

Peste

Anônimo - Xilografia

Ciencia e Caridade

Pablo Picasso - 1897 - óleo sobre tela

A autópsia

Enrique Simonet - 1890 - óleo sobre tela

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