top of page

Superlativo de interesses

 

Aline Ludtke

 

Não faz muito tempo que o jornalismo científico ganhou força no Brasil. E entre os primeiros veículos que se propuseram eliminar a distância entre o patamar da ciência e o público leigo estava a Ciência Ilustrada, hoje, Superinteressante. Em se tratando de uma recente área do jornalismo, ainda há conflitos sobre a demanda de informações do campo jornalístico e a adaptação de linguagem de uma esfera para outra. Enquanto a ciência leva tempo para chegar a conclusões seguras e age com cautela a cada passo, o jornalismo se alimenta do novo, das atualizações constantes do que acontece no mundo. Em contraste com a especificidade de termos nos postulados e tratados científicos, está o vocabulário simples do dia-a-dia requerido nas redações. De fato, encontrar o equilíbrio parece ser uma dificuldade que a Superinteressante também enfrenta.

 

Segundo algumas últimas informações levantadas pela editora da revista, atualmente, ela conta com um público de quase 230 mil assinantes e mais de 55 mil leitores de exemplares avulsos. Com uma estimativa de mais de 2 milhões de leitores, a responsabilidade de imparcialidade e qualidade jornalística pesa ainda mais sobre a equipe da Super. Seria esse o motivo de levarem a sério a máxima “melhor prevenir que remediar”? Só isso explicaria o tom disfarçadamente – e às vezes, nem isso – alarmista nas manchetes e matérias publicadas.

 

Quando se trata de doenças, nas mais de 300 edições impressas em 27 anos de revista, apenas oito exibiram capas relacionadas a doenças que promoveriam epidemias. A mais recorrente é a AIDS. Também uma edição especial foi lançada tendo como tema “Mistérios da Medicina”. Apesar disso, numa rápida busca pelos arquivos é possível encontrar 342 resultados de conteúdo publicado relacionado com o termo (incluindo possíveis metáforas, como uma epidemia de vírus tecnológicos, entre outras). Entre os títulos que mais chamam a atenção estão: “A AIDS está vencendo” (edição de janeiro de 2009), “A volta do vírus assassino” (edição de agosto de 2001), “Tão mortais quanto misteriosas” (maio de 2010), “E se... houvesse uma epidemia mundial de gripe?” (edição de agosto de 2005), “A ameaça está no ar” (edição de novembro de 2011), “Vamos todos morrer” (edição de novembro de 2000), “Gripe se modifica para matar” (edição de novembro de 1994).

 

Quando lançadas hipóteses sobre a possibilidade de ocorrências de epidemias, eles não hesitam em colocar “lenha na fogueira”, como na matéria “E se... houvesse uma epidemia mundial de gripe?”, publicada na edição de agosto de 2005: “Mas isso é pouco perto do que pode acontecer se as projeções pessimistas se concretizarem. A OMS acredita que há uma probabilidade real de que o vírus acabe infectando uma pessoa portadora de gripe comum – dessas tratadas com canja e cama – e sofra uma mutação, dando origem a um subtipo mais perigoso e transmissível. Como fabricar uma vacina contra gripe leva pelo menos 6 meses, e nenhuma é 100% efetiva, o vírus teria tempo para se espalhar. Em poucos meses, poderia chegar a diversas partes do globo. Nas piores projeções, 80 milhões de pessoas ficariam doentes e 16 milhões morreriam...”

 

Conhecida por abordar temas polêmicos e provocativos, a revista parece utilizar-se deste recurso para garantir seu público. Justamente pela roupagem jovial e irreverente de seu conteúdo, pretende tornar a ciência – não muito incentivada por aqui – atrativa a públicos mais novos. Mas quando uma revista parece muito mais divertida do que o livro ou apostila escolar, a prevenção desta deveria ser contra o sensacionalismo, que de científico não tem nada. Um exemplo é a repercussão causada quando a Super publicou uma matéria com teorias de que a AIDS não seria causada pelo vírus HIV, justificando-se, mais tarde, que a equipe era composta por jornalistas, e não pesquisadores graduados com a capacidade de decidir o que é ou não verdade. Mas espere aí. Faz parte do jornalismo o princípio da verificação de fatos, da busca por respostas, não a qualificação em todas as áreas de estudo. Como veículo de jornalismo científico consagrado, o papel de uma revista é tornar acessível ao público um campo ainda muito estigmatizado de forma imparcial e neutra. Não se justifica como modo de prevenção as manchetes chocantes, as matérias alarmistas. Esse modo de proceder cria uma atmosfera de medo e suspense que é justamente o contrário da proposta jornalística.

 

bottom of page