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Notícia e neurose

 

Thamires Mattos

 

Se quem manda no mundo é quem tem dinheiro, não podemos medir o impacto de um jornal feito para os proprietários do planeta. Falo do Wall Street Journal, voltado aos grandes empresários, principalmente norte-americanos. Economia é o carro-chefe desse jornal, que completou 125 anos em julho.

 

Mas, afinal, o que economia e uma epidemia que, aparentemente, não tem cura, têm a ver? A resposta é simples e pode ser encontrada na política. Líderes nacionais comprometidos com a melhoria da saúde tem a tendência de apresentar maiores índices de aprovação. Para Barack Obama, isso vem a calhar. A aprovação do presidente, que já chegou a 69 pontos percentuais em agosto de 2009, está na casa dos 40%, segundo a empresa de pesquisa de opinião Gallup. Na última estimativa feita, de 15 a 21 de setembro deste ano, o índice estava em 43% - desempenho pior que o de George W. Bush na mesma época de seu governo.

 

No intuito de "levantar" a economia dos Estados Unidos, o WSJ corrobora com a disseminação de notícias sobre a epidemia de Ebola, colocando nestas a vontade do governo americano de "ajudar" as vítimas.

 

Camaradagem. Será?

 

O Wall Street Journal quer pintar os Estados Unidos como um “irmão mais velho legal”. O problema é que isso vai contra o que vemos, na maioria dos casos. Barack Obama quer mandar dinheiro para a África. Médicos, cientistas e voluntários viram mártires ao se tornarem vítimas fatais do vírus – tudo isso faz parte de uma estratégia gigantesca de marketing – quanto melhor (ou pior, mais catastrófica) uma coisa parece, melhor ela tende a ser aos olhos do leitor. Ofuscando a vista do mundo, o jornal mais renomado no mercado financeiro cria vítimas – desde que sejam seguidoras do Tio Sam.

 

A falsa camaradagem promovida pelo WSJ está explícita em títulos como “Número trágico: vários autores de um estudo sobre Ebola morreram de... Ebola”, do dia 29 de agosto. Entre os autores do estudo estavam um médico, três enfermeiros e dois técnicos de laboratório. De mortos, viraram mártires; de mártires, passaram a ser heróis. Entretanto, isso não tira a credibilidade do jornal – é apenas fruto da cultura americana.

 

A tragédia também é financeira

 

A maior parte da cobertura sobre Ebola do Wall Street Journal é baseada em dados financeiros. Se não fosse assim, poderíamos até desconfiar de sua credibilidade. Mas o jornal sobre economia mais renomado mundialmente não abre muito espaço para críticas nesse quesito.

 

No dia 18 de setembro, as estimativas já mostravam que o caos provocado pela Ebola seria maior do que podemos ver nas manchetes sangrentas de jornais “mais populares”. Na reportagem do mesmo dia, intitulada “Ebola faz subir os preços nas áreas mais atingidas da capital da Libéria...”, foi feita uma comparação entre preços de países afetados e não afetados pela doença. Os produtos analisados eram ordinários como arroz, óleo de palma, farinha de mandioca, folhas de batata, cebola e cloreto. A diferença foi exorbitante. Nos países afetados, todos os produtos tiveram aumento de preço, exceto o arroz (3% a menos do que nos países não afetados). O óleo de palma chegou a custar 53% a mais nas localidades afligidas pela Ebola.

 

Além da população dos países atingidos pela doença, os importadores de cacau de Gana e Costa do Marfim também estão colhendo as consequências de um vírus letal. Principalmente no caso costa-marfinense, o risco de a doença chegar ao país é grande – a fiscalização de produtos que chegam de Guiné ou da Libéria, dois dos países mais atingidos pela Ebola e que fazem fronteira com a Costa do Marfim, é considerada fraca. De acordo com economistas, se o vírus chegar ao país, o número de importações diminuirá – o aumento pode ser de mais de 20%.

 

O mercado financeiro também está preocupado com a epidemia de Ebola. E com razão. O Wall Street Journal cumpre seu papel ao espalhar essa mensagem. O único problema é que a linha tênue que separa notícia e neurose pode, eventualmente, ser desobedecida.

    
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