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Pela legalização da sainha

 

Mas afinal, o que é feminismo? Dizer que esse movimento é o oposto do machismo é burrice. Tanto quanto é burro dizer que mulher de roupa curta merece ser estuprada. Até porque, quem é que merece ser estuprada?

 

Isadora Stentzler

 

Mulheres... Ah, as mulheres. Se de um lado há quem suspire e associe as donas das vaginas à flores, trabalhos domésticos, cuidado da família e fragilidade de porcelana, há quem diga: não sou machista, mulher é mais do que isso.

 

E é machista quem associa mulher à flores, trabalhos domésticos, cuidado da família e fragilidade de porcelana? Reflitamos aqui.

 

Na sociedade – e nem gosto de ficar metendo a culpa na sociedade atual, sociedade moderna, sociedade de hoje... – mulheres são brindes. Pois na propaganda é vendida a cerveja com a mulher, o perfume com a mulher, o desodorante com a mulher, o frango com a mulher, o trator com a mulher, a serra elétrica com a mulher. Meu estômago embrulha. Porque se assiste com isso a chacina escancarada do conceito mulher.

 

O reflexo disto se dá nas ruas com os “Fiu-fiu, gatinha!” “Ô, gostosa!” “Nossa, que delícia!” e outros xingamentos afins. Coisa de acéfalo! Pois incapaz de negar os próprios “instintos”, vê uma mulher de saia e, não sei por que marimbondos, permite às testosteronas baterem no pênis e saírem pela boca com toda sorte de galanteios pobres. “Mas não é qualquer saia...”, argumentam. E antes de falar da roupa, esclareço que mulher não gosta, mulher não quer, mulher não precisa do “Ô, gostosa!”, para se sentir e ser gostosa. Mulher o é. Agora, quanto a roupa, todo ser livre usa aquilo que bem lhe aprouver. Seja uma burca ou uma mini saia. Não deve a mulher se abaixar ao homem porque este não é capaz de se autocontrolar. Caso não o consiga, que amarre uma bigorna no órgão, pois.

 

Para se ter uma ideia do quão grave é isso, enquanto internamente se culpa a mulher de saia, sainha, shortinho, blusinha e outras roupas inhas pelos assédios callereros, os sauditas culpam o excesso de maquiagem pelas violações. O detalhe que não nos deve fugir aos olhos, é que lá as mulheres vestem burca. Ainda assim, “a culpa é delas!”.

 

É até bizarro se deparar com notícias assim, infelizmente se muda de país, mas não se muda de mentalidade.

 

Em contrapartida, trago à cena homens a andar sem camisa. Acham mesmo que mulheres não reparam em corpos torneados? Falha-me Deus como reparam! Mas isso não legitima às moças a gritarem lisonjas vãs aos sete ventos em prol da sua satisfação. Pois o cerne da questão está na invasão à privacidade do outro. E se palavras já causam este constrangimento, que dirá a aproximação física ou bruta, ou estupral.

 

Sobre isso, a pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no mês de março falou com o respaldo de números duvidosíssimos. A manchete era: “65% dos brasileiros acham que mulher de roupa curta merece ser atacada”. Uma grande barrigada! O resultado causou alvoroço total. Movimentos feministas se ergueram e mulheres ressuscitaram as ativistas adormecidas. Mas, e logicamente, tudo não passava de um engano. Semanas depois, o Instituto reavaliou e disse: Gente, erramos. São 26% e não 65% dos brasileiros.

 

O que talvez não ficou claro para muitas pessoas é o nível desta pesquisa. Um resultado que diz dar o parecer dos brasileiros e que ouve apenas 3.810 dos cerca de 200 milhões de habitantes do país, não é digna de confiança. Sem falar que a proporção dos entrevistados foi de 2.534 mulheres contra 1.276 homens. Bem desequilibrada.

 

No entanto, outros dados da pesquisa me chamaram a atenção e os compartilho – porque são números que provam as raízes machistas das quais estamos alicerçados e alicerçadas.

 

*Uma ressalva: A pesquisa se valia das alternativas concordo parcialmente, concordo totalmente, discordo parcialmente, discordo totalmente, neutros e não sei. Me valho aqui apenas dos que responderam as alternativas no âmbito do totalmente.

 

O Ipea perguntou: “Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros?” 1.346 pessoas, ou 35% dos entrevistados, responderam que concordam totalmente. Apenas 30%, ou 1.153 pessoas, discordaram totalmente.

 

Outra questão: “Os homens devem ser a cabeça do lar?” Do total de entrevistados, 1.557, ou 40%, concordaram totalmente contra 8,5%, ou 324 pessoas, que discordaram.

 

E por último, para então firmar a análise, os pesquisados deveriam classificar como prioritário ou secundário uma série de questões. Uma delas dizia respeito à igualde entre homens e mulheres. No resultado final a esta pergunta, apenas 13% julgaram o assunto como prioridade, enquanto que 87% avaliaram como secundário.

 

Ainda que em números irrisórios em vista à população nacional – apenas 3.810 indivíduos consultados – é colérico ver a desesperança nas respostas. Porque enquanto 87% de humanos tratarem a igualdade entre gêneros como algo secundário, existirá e persistirá respostas amedrontadas que deem razão ao homem e vitime ainda mais as vítimas da violência. E falam das mulheres, mas saibam que também são mulheres as trans – duas vezes mais vítimas – e as prostitutas travestis. A todas estas, apoio, respeito e segurança.

 

Pois embora esta pesquisa fale de 3.810 brasileiros, quantos 3.810 brasileiros com o mesmo pensamento ainda existem em cada região?

 

Enquanto não se chegar a zero a opinião que dita a submissão feminina ao homem, o problema do machismo será uma casca encrustada nos corpos e cérebros.

 

Um alicerce que será quebrado apenas com luta ímpar. E para isso surgem os movimentos feministas que, diferente do que pregam e falam as amebas com boca por aí, não é oposto do machismo, ou um movimento que quer a erradicação dos homens do planeta. Não! Porque mal com mal não se paga, mas se soma. O que não é o caso. Tais libertárias, e corajosas libertárias feministas, unem-se em lutas para lembrar ao povo esquecido que cada mulher é dona do seu corpo, do seu útero, da sua vida, do seu dinheiro, das suas vontades. Garantir estes direitos a elas, sem diminuir o dos homens, é a peleja do momento.

 

Como bem aprendi com militantes: “Quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede!” E é esse é objetivo.

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