top of page

Regra do jogo simbólico

 

Lucas Rocha

 

João, vestido de terno e gravata, ao chegar ao seu escritório logo é motivo de brincadeira dos colegas de trabalho. "O João vai fazer exame de fezes!", caçoa alguém. Porém, na verdade o exame que João fez foi para um novo emprego. A ida ao escritório, que na verdade é em meio a construção de um prédio, foi apenas para comunicar a rescisão do vínculo empregatício.

 

Liberado da jornada de trabalho, João chega mais cedo em casa e tem a oportunidade de presenciar o filho chegando em casa suado, de shorts e réplica da camisa do Corinthians antes do horário convencional. Ao ser indagado sobre a aula, o filho de João responde que o professor responsável pela matéria da última aula havia faltado mais uma vez e que, como de costume, ele aproveitara o horário livre para jogar bola.

 

As duas cenas, que a primeira vista não tem relação alguma, apresentam um exemplo de má interpretação dos signos. No primeiro caso, os colegas de trabalho de João fazem uso da piada pronta quando alguém usa esporadicamente terno e gravata no ambiente de trabalho.

 

Zoeira à parte, a piada reflete como usamos os signos para interpretarmos o mundo. E não poderia ser diferente, afinal a comunicação se dá por meio de signos.

 

Pelo enunciado, de cara restringimos a profissão de João – que trabalha em uma obra –: ou pedreiro ou engenheiro. Mas, nesse caso hipotético, João é apenas o vigia/segurança da obra. Novamente, o jogo de signos pode nos enganar. Assim como enganou o próprio João ao desconfiar que o filho matou aula para jogar bola, já que estava chegando mais cedo, suado e com roupa que não era o uniforme da escola.

 

Não obstante, pela resposta do filho de João, podemos entender que ele estuda em uma escola pública, pois é mais fácil essa situação acontecer no ensino público que no privado. Essa ideia é reforçada pela possível condição financeira da família de João, já que seu filho usa uma réplica da camisa do Corinthians. Não bastasse ser uma réplica ainda era do Corinthians, o que reforça o estereotipo de personagem de pouca renda. Neste caso, a interpretação dos signos de acordo com estereótipos correspondeu à realidade desse exemplo hipotético.

 

O longo exemplo nos mostra como se dá a comunicação, principalmente a de massa. Para conseguir comunicar algo para um grande número de pessoas é necessário usar signos comuns a todos. Na comunicação verbal esse processo é menos complexo que na comunicação visual. Isso porque as palavras, ressalvadas as gírias que são locais, têm seus significados definidos pelo idioma. De modo que, em qualquer lugar do mundo, a palavra "não", no idioma luso, tem sentido de negação e equivale à palavra "no", no inglês.

 

Já na comunicação visual, por ser substancialmente denotativa e não conotativa (o implícito sobrepõe-se ao explícito), a interpretação é muito mais complexa. Como não há um dicionário que defina cada representação – e a hipótese de sua existência é utópica – é necessário obedecer algumas regras na elaboração da comunicação visual. Quero aqui destacar uma delas que se refere aos estereótipos.

 

A repetição de uma composição visual (seja vestuário, imagem ou apenas um objeto como um capacete) que, em seus variados usos, remetem a um mesmo significado formam o que chamamos de estereótipos.

 

Assim, pelos estereótipos, podemos, no uso da comunicação visual, diferenciar um engenheiro, um pedreiro, um rapper e um judeu só observando o que eles usam na cabeça. O engenheiro e o pedreiro usam, no exercício de sua profissão, um capacete de proteção. Já o rapper, como manifestação cultural, usa um boné de aba reta. Na hipótese dele ser americano, podemos facilmente distinguir a região onde ele nasceu pelo símbolo estampado no boné (NY remete à Nova York, StL remete à Saint Louis). O judeu, por sua vez, no exercício de sua fé, usa um quipá.

 

Caso seja necessário diferenciar o pedreiro de um engenheiro, podemos fazê-lo apenas analisando o vestuário. O pedreiro geralmente usa um uniforme com detalhes luminosos e que cobrem quase todo o corpo, além de luvas e outros materiais de proteção, enquanto o engenheiro geralmente usa roupas mais formais.

 

O problema da interpretação de estereótipos é que nem sempre o que é ali representado corresponde ao que de fato é. Usando o exemplo do engenheiro e do pedreiro, caso o primeiro queira se aproximar do segundo e usar o mesmo uniforme que todos, ele será confundido como mais um na obra, não como gerente e responsável pela construção.

 

Quando fugimos de estereótipos, corremos o risco de causar confusão em quem nos interpreta. Desse modo, estereótipos são grandes convenções sociais. Por vezes equivocadas. Porém, assim como as leis produzidas pelo poder legislativo, são os estereótipos que ditam a regra do jogo que é a vida em sociedade.

 

O pensamento de "eu me apresento como eu quero" deve ser limitado pela violência dos estereótipos. Assim como devemos respeitar as leis no convívio em sociedade, precisamos respeitar os estereótipos da região na qual estamos inseridos.

 

Não podemos simplesmente ser quem a gente quer ser sem levar em consideração o que o outro interpretará a partir dessa nossa imagem. Ou seja, não podemos ignorar os estereótipos sob o risco de sermos interpretados de forma errada. E essa interpretação equivocada é culpa de quem emite a mensagem, não de quem interpreta. É como se eu no intuito de responder uma pergunta de forma negativa falasse "sim" ao invés de "não".

 

Em relação ao problema da interpretação em relação à representação da mulher na sociedade brasileira, não o vejo como sendo puramente machista. Em muitos casos, o problema está em quem emite a mensagem e não em quem a interpreta.

 

Uma coisa é a mulher exibir os seios deitada na praia às 17h. Outra é ela exibi-los no calçadão de uma praia às 22h. No primeiro caso, o estereótipo aponta para uma mulher que faz topless. No segundo, para uma prostituta. Caso um homem interprete de forma diferente dessa, a culpa não será da "mentalidade machista", mas da incapacidade da mulher de jogar de acordo com a regra dos signos. Na comunicação é preciso respeitar a regra do jogo simbólico.

bottom of page