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Sou Tiramissu, não picolé de groselha

 

Esta semana assisti um vídeo no youtube intitulado: “toda mulher gosta de cantada de pedreiro”. O fato é que só comecei a assistir por curiosidade, achei a temática engraçada. Depois de 30 segundos de vídeo estava tomada por um misto de emoções contraditórias. Levemente tentada a concordar com o assunto, levemente irritada por imaginar o tipo de coisas que (como mulheres) as vezes temos que ouvir, levemente indignada por pensar que há quem ache isto o máximo, levemente assustada por pensar que somos doutrinadas a nos ver como objetos que tem sua qualidade máxima atestada por coisas como esta.

 

Sim, somos doutrinadas a pensar em nós mesmas como objetos.

 

Certamente, algumas de vocês que me estão lendo agora, algumas mais aferradas aos ideais libertários feministas, já me consideram o pior tipo de mulher: aquela que se rende, e até defende, um suposto machismo. “Há coisa pior que mulher machista?” Hão de estar se perguntando....

 

Enganam-se. Não sou machista, nem me simpatizo com a causa. Gosto de pensar em mim como uma espécie de mulher bastante moderna. Aquela que abandonou os aforismos do romance, superou o estigma da fragilidade, assumiu com classe a independência e tem os pés firmados na realidade.

 

Não podemos enterrar nossas cabeças na areia, tal qual as emas, e ignorar toda uma tradição midiática, uma tradição que forma, que educa, voltada à objetificação da mulher. Isto é render-se ao romantismo. Por outro lado, não podemos aceitar um tratamento desrespeitoso, pouco lisonjeiro, dominador e chavunista alegando estar subjugadas à um contexto social. Isto é submeter-se a falácia da fragilidade. É preciso dominar as rédeas das regras sociais, reconstruí-las, quiçá confrontá-las. Mas sem jamais recorrer ao fanatismo. Fazendo isto, nos independemos com classe. E acima de tudo, se faz necessário reconhecer o papel histórico da mulher nesta sociedade latina, entender as raízes da doutrina da objetificação e dependência feminina, ter sensatez para lidar e superar as circunstâncias e sujeitos desta condição social. Isto é firmar-se na realidade.

 

Quem precisa entender que não é objeto, que não é obrigada a submeter-se a qualquer tratamento machista, que não é culpada de qualquer tipo de comportamento animalesco masculino, que pode e deve sentir-se sensual sem vergonha, somos nós mesmas!Portanto, digo: sou é Tiramissu. Sou das mais deliciosas iguarias. Nenhuma de nós é aquele picolé “chinfrim” de groselha mal enrolado em papel de seda. Aquele que custa 50 centavos no carrinho de sorvetes. Esse picolé merece um “eeee gostoooosa!”. Nós somos delícias da cozinha elitizada. E não importa a maneira com que nos apresentamos à “mesa”. Se em prato de plástico ou em fina porcelana. O que importa é que merecemos tratamento de luxo. Merecemos ser apreciadas, idealizadas, respeitadas, muitíssimo bem tratadas. Merecemos pompa e circunstância. De mini saia ou de tailleur o que merecemos ouvir é: “nooossa, que mulher!”.

 

Nós precisamos descontruir a imagem da mulher objeto. Indignar-se com a cantada de pedreiro. Não porque não corresponda a verdade (afinal, talvez sejamos mesmo “gostosas” e pronto!). Mas porque ela representa toda uma ideologia, vem carregada de significados ocultos, em que existimos para servir, para satisfazer, para exibir e, se despertamos incontroláveis e violentos impulsos, a culpa é toda nossa. Este tipo de pensamento, de cultura subentendida em simples expressões, é o que gera resultados como os da pesquisa do IPEA. Isto precisa ser aniquilado!

 

Estando de mini saia ou não, eu não mereço ser estuprada! Fato. Definitivamente não sou picolé de groselha.

 

 

Andréia Moura

Editora-chefe do Canal da Imprensa

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