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#EuNãoMereçoSerManipulado

 

Com base em estudo do Ipea, jornais dispararam que para “65 % dos brasileiros” mulheres de roupa curta merecem ser estupradas. Há dois problemas na notícia: o índice não representa, nem de longe, a população brasileira; e a pesquisa estava errada.

 

Rafael Acosta

 

Um estudo do Instituto Especializado em Pesquisas Econômicas (Ipea), divulgado em março, repercutiu incansavelmente na imprensa. Inicialmente, o resultado sugeriu que mais da metade dos brasileiros (65%) acreditam que mulheres de roupa curta merecem sofrer abuso. A pesquisa serviu de combustível para a campanha “Eu não mereço ser estuprada”, idealizada pela jornalista Nana Queiroz, inflamando milhares pelas redes sociais – o que, de fato, foi muito bom, pois mulher nenhuma merece sofrer abusos ou qualquer tipo de violência. O dado reforçou a ideia da existência de um Brasil mais misógino do que imaginávamos, dando voz a muita gente que sofria em silêncio. No entanto, a informação estava errada. O índice correto de pessoas que apoiam o estupro contra mulheres em trajes menores era 26% e não 65%.

 

Antes de o instituto perceber o erro e voltar atrás, a maioria dos jornais estampara em suas capas a informação. O Estado de S. Paulo foi um deles. No dia 27 de março, escancarou uma matéria com o seguinte título “65% dos brasileiros acham que mulher de roupa curta merece ser atacada”. A reportagem teve milhares de compartilhamentos. Conforme o título, o machismo predomina em mais metade dos brasileiros. Entretanto, não é bem assim.

 

O Brasil possui mais de 200 milhões de habitantes. Desses, a pesquisa ouviu 3.810. Com base nos resultados das entrevistas do Ipea, o Estadão concluiu que "65% dos brasileiros" pensam assim. O cálculo utilizado na elaboração do título da matéria é mirabolante! Chegou a dar nó na cabeça. Eles entrevistaram uma parcela ínfima de brasileiros. Mesmo assim o jornalão optou por generalizar. Poderia ter dito “65% dos entrevistados”, mas não o fez. Ao lado de outros jornais, jogou todos os brasileiros no mesmo balaio.

 

Como mencionado anteriormente, foram 3.810 entrevistados num universo de milhões de habitantes. Outro detalhe, omitido no texto do Estado, é que a maioria desses eram do sexo feminino. Foram 2.534 mulheres e 1.276 homens. Pasmem, as mulheres ouvidas pelo Instituto são mais machistas que os próprios homens. Enquanto a notícia repercutia, mulheres tiravam suas roupas e pintavam o corpo ou seguravam placas com dizeres contra o machismo brasileiro.

 

A pesquisa levantara suspeitas desde o início, porém, poucos veículos (e a Veja foi um deles) apuraram mais a fundo a informação. Isso pelo seguinte motivo: jornalistas criticam artistas, políticos, cidadãos e qualquer tipo de pessoa, menos cientistas e pesquisadores. Quando o assunto é ciência ele põe-se no seu lugar e admite que não sabe de tudo (afinal, o que um rato de redação vai discutir com um doutor que gasta anos de sua vida em cima de análises e estudos). Por isso não questiona ou procura divergências.

 

Alguns dias depois da polêmica, o Ipea trouxe outra notícia bombástica: “Estávamos errados”. “Vimos a público pedir desculpas e corrigir dois erros nos resultados de nossa pesquisa Tolerância social à violência contra as mulheres, divulgada em 27/03/2014. O erro relevante foi causado pela troca dos gráficos relativos aos percentuais das respostas às frases Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar e Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas.”, disse o instituto em nota oficial. O correto, ao contrário do que foi divulgado, é:

 

Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas – 58,4% discordam, 13,2% concordam.

 

E o povo ficou a ver navios. Afinal, somos machistas ou não? Bom, segundo o Ipea não. Ainda bem, pois, estivemos diante de uma calamidade pública, pois a mídia e a confusão do Ipea transformaram o Brasil num país de estupradores.

 

Muita gente não quis dar o braço a torcer diante do erro, principalmente as feministas. “26% de mais de pouco mais de três mil pessoas é um numero relativamente grande, é algo para se preocupar”, muitos disseram. Concordo. Mas não acho que isso faz do Brasil um país que apoia o estupro. Não quero aqui propor um debate a cerca do machismo e como combatê-lo. Que nosso povo é machista todo mundo já sabe, os crescentes números de agressões contra mulheres estão aí para confirmar. E falam mais alto que pesquisas de opinião confusas e rasas. A questão não é essa. Se avaliássemos os índices da segurança pública e fizéssemos como foi feito com a polêmica pesquisa do Ipea então concluiríamos que somos uma nação de assassinos e bandidos, pois as ocorrências de assaltos e mortes crescem a cada dia. E isso não é pesquisa, é fato, são registros reais. A questão é o modo como certas coisas são sentenciadas. A manipulação da informação por parte da mídia é o que realmente preocupa.

 

Diante dessa lambança do Ipea e da apuração relaxada de alguns jornalistas, capaz de provocar esse estardalhaço, fico imaginando o tipo de manipulação que a mídia e os institutos de pesquisa têm reservado para o eleitorado nesse ano. Uma simples informação, divulgada da maneira errada ou distorcida, pode mudar completamente o rumo da boiada. #EuNãoMereçoSerManipulado

    
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