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A sua cidade está em silêncio?

 

Anne Seixas

 

Contar uma história: esse é o trabalho do jornalista. Mas quanto pode custar essa história? E seria ela somente uma história? O filme Cidade do Silêncio pode ser totalmente diferente dependendo de quem é o seu espectador. Se for como eu, jornalista, entenderá todos os dramas vividos por Lauren, personagem de Jennifer Lopez. Entre uma promoção e uma vida, toda a trama se passa tentando desvendar duas histórias.

 

A primeira e óbvia, caso na frente da tela esteja um não jornalista, é o drama vivido por Eva, uma adolescente violentada e quase assassinada, não fosse um golpe de sorte, bênção ou qualquer outra coisa que queira chamar. A vítima se levanta de seu próprio túmulo sedenta por vingança e por colocar os responsáveis pelo crime na cadeia.

 

Tudo se passa na pequena cidade de Juárez, fronteira com os Estados Unidos e que abriga dezenas de fábricas que funcionam em um sistema quase escravocrata. Ali existe um grupo que estupra e mata mulheres indiscriminadamente, protegidos pela polícia e pelo governo. Até então, do ponto de vista cinematográfico, nada surpreendente. O mais triste é saber que se baseia em fatos reais.

 

Aliás, a maioria da fábrica é composta de mulheres porque, segundo eles, elas trabalham mais e reclamam menos das longas e insalubres jornadas. Elas são tratadas como simples objetos. Nesse cenário, não é difícil imaginar um ser esterotipado e sujeito a qualquer tipo de atrocidade.

 

Nesse contexto, Lauren, mexicana, orfã (teve os pais assassinados por pessoas como essas que cometem os estupros e mortes) e que tenta esquecer o passado depois de ser adotada por uma família americana, se identifica com a história. O segredo, portanto, é como a jornalista deixa de ser uma profissional distante, espectadora, para ser parte de tudo.

 

Para o jornalista, contar uma história tem muito mais que ver com como afetar a vida das pessoas. Para o bem ou para o mal. Em geral, a motivação é o bem, contudo, não há garantias de que seu personagem não vá sofrer com isso. Em todo o filme, pessoas tentam impedir que a história seja levada adiante. Seja por proteger a vítima, seja para não colocar os jornalistas em risco, tudo coopera para que o crime seja colocado embaixo do tapete.

 

Nesse jogo, fica claro que o jogo de poder é forte demais para que Lauren lide sozinha. Se ela antes contava com o apoio do chefe, agora ela estava sozinha. E isso não acontece somente nas telas. No dia a dia da redação é mais comum do que se imagina não ter o apoio do veículo para publicar algo, de fato, importante e relevante. E aí existem dois caminhos: desistir e sucumbir ao sistema ou enfrentar heroicamente, abrindo mão de uma carreira promissora e, talvez, nunca plena.

 

Não é possível imaginar um jornalista que trabalha de acordo com a máquina política, realizado. É contra a mente de um agente formador de opinião aceitar que sua profissão não existe, tão e somente, para causar alguma mudança na sociedade. Levantar discussões e, se possível, promover uma melhoria no sistema.

 

Mas esse mesmo sistema é cruel. Ele não aceita opiniões. Essas, então, são as mais atacadas. Quando alguém se levanta da multidão a fim de despertar a massa, liga-se o alerta da censura, da coação, do medo. E é em meio a toda essa discussão que a produção cinematográfica nos faz refletir. Como agir em meio a tudo isso? Ética, se manter vivo ou, simplesmente, sucumbir?

  
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