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Conspirações e poder

 

Aline Ludtke

 

Se as teorias da conspiração pretendem explicar acontecimentos de maneira que os relacionem com uma ordem ou organização que interfere em tudo para se manter no poder, eventos políticos certamente estão incluídos. Com a morte trágica do presidenciável Eduardo Campos, o tema veio à tona mais uma vez, acompanhado da discussão sobre antigas teorias.

 

Dentre muitas teorias sobre diversos ocorridos, talvez uma das mais conhecidas, e até hoje discutidos é a morte do ex-presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy. Tendo, esta nação, preeminência na configuração geopolítica mundial há tanto tempo, o assassinato de um de seus presidentes mais populares gerou polêmica dentro e fora do país. Não apenas estudos após estudos foram realizados para comprovar as circunstâncias exatas de sua morte, mas inúmeros livros e filmes tiveram como tema principal o aparentemente contraditório assassinato.

 

Foi um vídeo registrado por um espectador que protagonizou as investigações sobre o crime, já que as imagens garantiram uma perícia mais exata do que acontecera. Mas foi justamente o vídeo que deu margens para os questionamentos que fundamentam as teorias de que o assassinato de John Kennedy era, na verdade, uma conspiração. As provas “incontestáveis” de que o veredicto final era uma farsa são o som, que denuncia quatro tiros – em vez de três, como foi declarado oficialmente - o tempo muito curto entre um disparo e outro e a própria direção de um dos tiros, que impulsionaram a cabeça do presidente para trás, direção contrária a que estava o homem considerado culpado pelo atentado. Ainda, a “maldição dos Kennedy”, estranha repetição de mortes trágicas na família e envolvendo quem se colocasse a investigar o caso mais a fundo, suscitou cada vez mais dúvidas acerca do que realmente teria acontecido ao presidente norte americano.

 

Entre os apontados culpados estão a KGB, considerando a investida de Kennedy contra a União Soviética no contexto da Guerra Fria e até mesmo a própria CIA, que não concordaria com a política adotada pelo presidente.

 

Mas o mistério envolvendo a morte de políticos já havia passado pelas terras brasileiras quase dez anos antes. Em 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas tira a própria vida com um tiro na cabeça. Para as muitas perguntas envolvidas no caso, apenas uma carta manuscrita, deixada sobre a escrivaninha.

 

No caso de Getúlio Vargas, as motivações e o autor do “crime” pareciam mais claros: Carlos Lacerda, um de seus maiores opositores ou os próprios militares, insatisfeitos com um governo que “flertava com a esquerda”. Mesmo assim, é difícil manter a hipótese, tendo em vista notas registradas na agenda pessoal do presidente que davam pistas sobre a intenção de suicídio horas antes de sua morte. Entre as evidências tidas como contraditórias a um suicídio está o fato de que Getúlio atirou contra seu próprio peito, fato incomum entre os suicidas, que, geralmente, disparam contra a boca ou ouvidos. Além disso, consideram que a carta atribuída ao presidente após sua morte não combinava com seu estilo de escrita.

 

Apesar do afã causado pela morte de Getúlio Vargas, talvez uma das mortes envolvendo políticos que mais gera polêmicas, até hoje, é a morte de Tancredo Neves, eleito presidente em 1985, mas que não chegou a exercer o cargo. Após sete cirurgias e mais de um mês sofrendo com os sintomas do que os médicos disseram ser “diverticulite”, o futuro presidente morreu antes de ser empossado.

 

Para os críticos, no entanto, Tancredo teria morrido dias antes do anúncio oficial, mas mantido em segredo pelos médicos, que, inclusive, teriam tirado uma foto com o cadáver, como se ainda estivesse vivo, para encobrir o óbito. Em 2012, os filhos do futuro presidente fizeram um pedido do documento que detalharia todos os procedimentos médicos envolvidos no tratamento de seu pai, acreditando ser negligência médica a morte de quem marcava a volta à democracia no país. Negligência esta que, segundo eles, impediu a imediata transferência do presidente para o Instituto do Coração, sendo sua primeira cirurgia realizada no hospital de Base de Brasília, que não contava com as condições necessárias para cuidar do caso.

 

Além disso, o mordomo do futuro presidente, João Rosa, sofreu dos mesmos sintomas que seu patrão, no mesmo período de tempo, tendo que passar por sete cirurgias, antes de morrer, dias depois. Coincidência ou não, isso ajuda a levantar ainda mais suspeitas sobre a “doença” que matou o futuro presidente. Sarney, que assumiu o lugar deixado por Tancredo, alinhava-se com os militares, aumentando assim, as suspeitas em torno de mais uma morte marcante na história brasileira.

 

Aplicabilidade atual

 

Além do que aconteceu no passado, a morte que chocou o Brasil recentemente, do presidenciável Eduardo Campos, lembra a ocorrida há vinte anos atrás, por envolver também um acidente aéreo. A de Ulysses Guimarães.

 

Como defensor da democracia desde os tempos da ditadura, Ulysses chegou a lançar uma campanha de anti-candidatura à presidência, como protesto. Mas mesmo após a redemocratização do Brasil, sua real candidatura não obteve muito apoio. Apenas como deputado federal, por ocasião do impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo, é que tornou-se popular, por defender um voto aberto no processo que tirou Collor do poder. No mesmo ano, o helicóptero em que estavam Ulysses, sua esposa, o ex-governador Severo Gomes e sua esposa caiu, não deixando sobreviventes. O mistério em torno de sua morte é ainda mais explorado por nunca terem encontrado o corpo de Ulysses.

 

No caso mais recente, de Eduardo Campos, o avião em que o presidente viajava a trabalho no dia 13 de agosto deste ano, também caiu, matando todos os passageiros.  O maior argumento sustentado é o de que a queda do avião teria sido articulada com o apoio de Marina Silva, que seria vice de Campos, já que sua candidatura não pôde ser lançada por seu próprio partido. Um texto publicado por Wayne Madsen, um jornalista investigativo especializado em inteligência e assuntos internacionais, tenta provar que o acidente foi, na verdade, uma ação da CIA para conter os “presidentes progressistas” na América.

 

Entre os argumentos listados por Madsen, estão o de que o avião, um Cessna 560XLS, registra um histórico de voos altamente seguro, sendo o ocorrido algo surpreendentemente atípico para o modelo de aeronave. Ainda, a posse do avião era irregular, tendo sido adquirida por empresas-fantasma. Até mesmo as gravações que ficam registradas e costumam auxiliar na investigação dos motivos de acidentes não puderam ser utilizadas, já que eram as do voo anterior ao de Eduardo Campos e sua comitiva. Essas, segundo o jornalista, seriam provas da CIA tentando encobrir seu envolvimento com o caso.

 

E onde entra Marina, em tudo isso? Para Wayne Madsen, ela seria um “fantoche” de um magnata húngaro que teria financiado a eleição de Barack Obama, George Soros. Soros lideraria uma corrente internacional, com o objetivo de assumir o controle de partidos ligados à classe dos trabalhadores, que garantiria os interesses dos EUA e Israel, chamada “Terceira Via”.

 

Como já dizem pelo nome, as teorias da conspiração, na maioria dos casos, resumem-se a especulações sem nenhum tipo de prova que possa sustentá-las com mais força. E talvez esteja aí o segredo de fazerem tanto sucesso: quanto mais mistério envolvido, maior margem para questionamentos. E quando se trata de poder, não poderia ser diferente, já que estamos falando de um mundo marcado pela luta entre dominador e dominado desde o seu início.

 

Teorias da conspiração políticas parecem, na verdade, mais uma distração que se une à comoção que tem lugar quando morre algum político. Tirando de lado as questões humanas envolvidas, a empatia e o respeito que devem acompanhar todo acontecimento fúnebre, tem-se a tendência de dramatizar tais ocorridos. Assim como pintar a imagem de um herói, muitas vezes se criam conspirações, aproveitando-se de cada mal entendido ou forçando detalhes que fazem pouca ou nenhuma diferença no desdobramento dos fatos. A divulgação dessas ideias acaba tirando o foco de questões políticas primordiais, como no caso de mortes presidenciais, dando continuação a discussões fúteis que não levarão a lugar nenhum.

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