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Não é só por 20 centavos nas eleições

 

Nathália Lima

 

 

4 de outubro de 2014 – 7h30 da manhã – hora do café

 

Sábado eu levantei cedo. Me vesti, me maquiei, saí do quarto e fui tomar café. Tinha compromisso cedo. Ao chegar na cozinha, me deparei com uma cena um tanto quanto estranha.  Meu pai comentando política, grudado no jornal:

 

- As pesquisas apontam que a Dilma vai ganhar, mas só no segundo turno. – o povo lá de casa não gosta nem um pouco de política. Só despertam como ursos hibernados na época das eleições. Parece que, nesse período de tempo, emana deles uma vontade súbita de melhorar o país e ter opinião para tudo. Sei lá por que isso acontece. Só sei que é o que percebo desde pequena. – Parece que essa mulher vai ficar atazanando a nossa vida por mais quatro anos. AFFF!

 

Fiquei inquieta com a colocação chula do meu pai. Não entendia o que ele queria dizer com “atazanando a nossa vida”, nem quais os argumentos que ele tinha para sustentar aquela opinião. Mas, como estava atrasada, não me importei. Nem liguei. Não quis discutir, muito menos tentar educa-lo politicamente.

 

4 de outubro de 2014 – 20h – hora da janta

 

O dia havia sido cansativo. Coletivas de imprensa com candidatos, briga por espaço com outras emissoras de televisão, salto alto desconfortável. Tudo colaborou para um cansaço imprescindível. Quando estava me arrumando para sair da redação, Jonas me chamou para sair com o pessoal. A fome me era tão absurda que decidi aceitar. Até Habib’s era bem-vindo naquele momento.

 

Chegando ao barzinho, chamamos o garçom e fizemos os pedidos. Ele anotou, respirou fundo e nos perguntou:

 

- Vão votar em quem amanhã? – um amigo do jornal respondeu ironicamente – Ué, mas o voto não é secreto? – todo mundo riu, mas depois responderam. Um ia votar na Marina, outro na Luciana, mas a maioria havia entrado em consenso de que a melhor (menos pior) opção era a Dilma.

 

O garçom, vulgo Zé Fininho, deu um pulo e (meio que) gritou assuntado:

 

- Mas como assim? A Dilma arruinou o país. Estamos acabados. Eu não voto na Dilma nem a pau!

 

Todos se entreolharam, respiraram e não argumentaram nada. Estranho para povo jornalista, mas estávamos muito cansados para explicar didaticamente a alguém leigo sobre nossos motivos de voto. Em meu coração, aquela conivência com duas situações semelhantes já fervilhava e fazia estrago. Era quase mais do que eu conseguia suportar calada. Mas, depois de umas garfadas naquele delicioso strogonoff, respirei fundo e mudei de assunto.

 

5 de outubro de 2014 - 10 da manhã – Eleições

 

Fui meio cedo para minha zona de votação naquele domingo. Fiquei sem sono - não faço ideia do motivo -, e saí de casa para exercer meu “dever democrático”.

 

Quinze minutos depois de sair de casa, cheguei à escola Padre José Castelhano. A fila estava grande, mas andando rapidamente. Como sempre tive facilidade com o público, comecei a conversar com uma senhora chamada Filó. Ela não parecia ter seus 68 anos. Era lúcida, simpática e de opinião forte. Essa última característica foi o problema. Ao conversarmos sobre voto, candidato e candidatura, dela surgiu o MESMO discurso de todos os outros que eu havia engolido antes.

 

- A Dilma? Ui! Não voto nela nem morta. Fica distribuindo bolsa-família por aí, roubando no Mensalão e ainda aumenta tudo que é imposto. Eu vou de Aécio! Isso sim que é voto justo!

 

Fiquei vermelha de agonia. A falta de argumentação e o “Maria vai com as outras” explícito naquele discurso medíocre de 30 segundos atiçou as mais profundas feras políticas arraigadas em meu ser. Enlouqueci! Simplesmente saí do ar.

 

Logo que dona Filó parou de falar, desatei eu a expor meus argumentos contra o PSDB. Havia vivido (tal qual aquela senhora) os efeitos e defeitos da candidatura do FHC. Argumentei com o mais alto nível de vocabulário e colocações plausíveis. Só que, depois que ouvi a réplica, entendi que ela não havia entendido NADA!

 

- Outra coisa: achei uma palhaçada aquelas manifestações do ano passado. Andei lendo e foi tudo uma baixaria. Até pedi pra minha neta pesquisar umas coisas no “GÚGOU” sobre isso pra mim. Precisava, né? Principalmente para eu votar consciente.

 

Aquela havia sido a gota d’água. Apenas concordei, sorri e virei para a frente. Minha vez estava chegando.

 

Quando voltei para o carro, gritei para o espelho como se este fosse a dona Filó, o Zé Fininho, o meu pai e todos os outros que haviam criticado sem argumentos:

 

- NÃO, minha gente. Não é isso! Concordei e continuo concordando com todo o sufoco passado pelos militantes no ano passado. Era por muito mais do que 20 centavos. Causas justas foram citadas e melhorias necessárias, reivindicadas. Mas não me conformo com o tanto de gente que não se esforça para ter argumento. Hipócritas! Chego a ficar perplexa com o bando de “bocós” que acha que a política é idiota e simples. Que chega na semana das eleições e se torna um pseudo-politizado. Não! Tire seu cavalinho da chuva! Política é algo sério, que pode mudar o futuro da nação e não deve ser estudada de quinta a domingo. Não adianta se fazer de intelectual/estudioso/político nato, porque isso não dá resultado decente. Não é só nas eleições. Repito: NÃO É SÓ NAS ELEIÇÕES! A cidadania se exerce diariamente, 24 horas por dia, sete dias na semana, 365 dias por ano.

 

26 de outubro de 2014 – Jornal Nacional – resultado do segundo turno

 

Para meu desespero (e alegria geral da nação de leigos políticos brasileiros) Patrícia Poeta, em seu último dia de JN, brada: “Temos o prazer de anunciar que o novo presidente da república é o Excelentíssimo Aécio Nevez...”

 

Eita! Viu só? Ninguém entendeu nada de última hora! Povo insolente. No fim, eu estava certa outra vez.

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