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Das cruezas humanas

 

Sou uma apreciadora da arte. E esclareço: em âmbito exclusivamente amador. Não posso considerar-me uma grande conhecedora de tendências, movimentos, características específicas de grandes mestres, significações ocultas em pinturas ou em livros. Sinto-me obrigada também a dizer que, nem por isto, furto-me do contato com estes materiais ou restrinjo-me a acessá-los minimamente, na medida em que se solicita aos bem informados. São coisas das quais já nem me dou conta da presença, no sentido de que estão sempre presentes em minha rotina profissional, de lazer, em meu pensamento intelectualizado, em minhas divagações surreais. Fazem parte de mim, são extensões pelo fato de se constituírem parte fundamental na formação de minhas concepções do “ser humano”, “ser gente”, “ser mundo”.

 

Ter acesso a estes materiais muda, diariamente, minha visão de tudo que me cerca. Acrescenta, descarta, amplia, enfim, produz uma construção de sentidos ininterrupta. Observar arte nos coloca em contato com diversos universos. Nos fala de emoção, de razão, de ação, de violência, de dor, desespero, de ceticismo, enfim, é nossa essência se reconstruindo a todo tempo.

 

Porque esta divagação a respeito de cultura? Explico. Tal percepção promoveu em mim outras conexões, relações, que tem a ver com a temática de nossa revista nesta quinzena. O que é a mídia? O que são os meios? Arte? Sim, em algum nível, uma espécie de arte. Nosso trabalho é incitar construções. Emocionais, sociais, intelectuais.... Ao ter contato com nosso trabalho, nossos produtos, o receptor deve vivenciar uma experiência que modifique elementos essenciais dentro de si. Ela deve gerar relações, sinapses, que produzam sentidos esperados, previstos e até inimaginados, mas que de alguma forma promovam evolução.

 

Fiquei analisando a cobertura a respeito do surto de Ebola na África. Pensar em tal cobertura me trouxe à memória outras coberturas semelhantes nos últimos anos. Gripe aviária, gripe suína, Síndrome da Vaca louca. Vergonhoso! Que sentidos estamos construindo? Que conexões estamos produzindo? Que ações estamos instigando? Vejo apenas um apoio, excessivo e canibal, ao capitalismo, às indústrias farmacêuticas, aos interesses de determinadas elites. Vejo pânico excessivo criado por desinformação. Vejo pouco incentivo humanitário. Muito menos ainda à pesquisa. Vejo apenas uma construção: aquela que nos coloca frente a uma das maiores cruezas humanas, o medo da morte, sem nos munir com instrumentos combativos (o conhecimento, a informação que produz ação efetiva).

 

Alguns hão de estar pensando na utopia de tal pensamento. Provavelmente tudo isto não passe disto mesmo. Mas como mídia que somos, nosso dever é construir utopias. Sem elas, como sobreviver às cruezas humanas? A existência seria uma pandemia de situações desesperantes.

 

 

Andréia Moura

Editora-chefe do Canal da Imprensa

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