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“Luz, câmera, ação!”, ecoa o brado retumbante

 

Aline Lüdtke

 

A minissérie escrita por Euclydes Marinho e dirigida por Gustavo Fernandez, retrata a vida de Paulo Ventura, um deputado conhecido por sua postura rigorosamente ética e sua luta contra a corrupção, quase sem voz e com um inexpressivo apoio político. Além de reproduzir a atmosfera engravatada de gabinetes e câmaras, a obra também mostra o que acontece nas quatro paredes da vida pessoal do político, que lida com uma crise na família e sua conduta lasciva.

 

Despedido de um cargo importante após desmascarar um esquema de corrupção, Paulo Ventura mantinha um blog onde compartilhava suas ideias e denúncias sobre o que acontecia na sede do poder brasileiro, através do qual conquistou parte da população. Por sua inexpressividade, foi nomeado Presidente da Câmara, na intenção de ser usado apenas como fantoche. É quando o “destino” muda bruscamente: num acidente aéreo, tanto o vice como o próprio Presidente da República morrem, situação que obriga o Presidente da Câmara a assumir imediata e provisoriamente o posto. A partir daí, iniciam-se os principais conflitos retratados na série, envolvendo tanto a esfera pública como privada do personagem que tenta sobreviver ileso ao salvar o país da corrupção.

 

Mais uma vez, nota-se a tentativa de pintar um herói, o salvador de que a pátria tanto necessita. Assim como já se fez nos registros históricos ensinados até nas escolas, a televisão – veículo de informação, talvez o principal de formação para as massas – se esforça para sugerir como salvar o país. E essa salvação encontra-se nas mãos de ninguém mais, ninguém menos que Paulo Ventura e sua pequena equipe.

 

É quando a mescla entre a vida pessoal e profissional constrói a trama desenrolada nos oito episódios. Pode ser que a intenção tenha sido mostrar que por trás de uma faixa presidencial existe um ser humano comum. Mas quando se trata de administrar a vida de 200 milhões de pessoas, requerem-se, mesmo a esse ser humano comum, responsabilidades tão elevadas quanto o cargo que ele exerce.

 

Por isso, logo nos primeiros momentos da série, surge o questionamento: como pode uma pessoa defender tanto a ética na política enquanto vive de forma promíscua e libertina? De que maneira a autoridade máxima nacional tratará cidadãos homo e transexuais, sendo que rejeitou e expulsou de casa seu próprio filho com tal orientação sexual? Afinal, os mesmos valores que guiam atitudes da vida particular guiarão as decisões políticas; embora um candidato deva orientar-se pela ideologia de seu partido, de alguma forma, suas próprias opiniões sempre influenciam os ideais a serem defendidos em seu mandato. Se o político não consegue se manter fiel a seu próprio cônjuge, como conseguirá lidar com a corrupção de maneira íntegra? E se ele se decide a aceitar seu filho apenas pela comoção de ver o rapaz internado no hospital após sofrer uma agressão, com que responsabilidade lutará pelos direitos de quem é discriminado por causa da opção sexual?

 

Tais questões constituem-se importantes fatores a serem levados em conta na escolha dos representantes do país.

 

Além disso, o enredo peca ao retratar o cenário político como uma grande máfia corrupta muito bem articulada e organizada, capaz de tudo para se manter no poder. Não se pode negar que há sim muita sujeira e roubo nesse meio, mas não podemos definir a política como sinônimo de corrupção. O próprio Ventura é mostrado principalmente como um advogado antes de deputado, alguém à parte de todo o sistema, sem ambições políticas, e, por isso, ideal para solucionar os problemas brasileiros. Aí entra o heroísmo cinematográfico, quando o “mocinho”, estando em menor número, sendo ser impopular, mas por sendo “do lado do bem” vence “o mal”, mesmo este estando mais organizado e com mais aliados. Também no final do enredo, o colapso da vida particular do personagem principal o motiva a mudar o rumo de sua vida. Essa mudança parece afetar sua vida pública. Elementos como encontros dramáticos com um ex-presidente moribundo que pertenceu à mesma “laia” da oposição que quase matou Ventura, e uma discussão com seu oponente à presidência, dão o toque hollywoodiano que conduze à redenção de Paulo Ventura – como se esta representasse, também, a redenção do país.

 

Por fim, um dos maiores problemas com a minissérie que foi lançada com o objetivo de tornar mais próxima ao telespectador em relação a atmosfera e os bastidores da política foi a redução de todas as dificuldades e visões políticas do Brasil ao conflito: corrupção x ética. Sim, a corrupção pode ser a causa de muitos dos nossos problemas, mas, unido ao combate a ela, devem vir propostas para melhorar os demais aspectos da sociedade, como economia, saúde etc. “Ok, curamos a doença que impedia os nutrientes das raízes serem levados às folhas. Agora, nos preocupemos em nutrir melhor a planta”. Além disso, também existe a questão da existência de apenas dois únicos candidatos à presidência, como se só houvesse duas únicas propostas possíveis para o país: a certa e a errada. Onde estão as discussões, os debates que promovem novas maneiras de pensar e produzir? Outra ressalva faz-se necessária, a de que verdade e erro existem, sim, mas há diversas formas de se aplicar a mesma verdade e produzir resultados mais ou menos eficazes.

 

De certa forma, no entanto, quando os créditos começam a subir após o primeiro discurso de Paulo Ventura num debate político, a vontade despertada pelo repentino final é a de continuar assistindo a campanha, e até participar do processo eleitoral. Enquanto esse sentimento se transferir para a realidade e motivar o cidadão a exercer sua cidadania de forma mais ativa, talvez a produção não seja totalmente descartável.

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