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Nobres usurpadores

 

Thamires Mattos

 

Lembro de ficar encantada ao ver propagandas eleitorais mostrando as urnas eletrônicas brasileiras, a grande inovação mundial e orgulho da pátria. Não vou e nem quero entrar no mérito daquela famosa perguntinha: “as urnas podem ser hackeadas?”. A questão é que as urnas não precisam ser invadidas por gênios da informática se a própria população (incluindo quem está no poder) pode ser manipulada – e por que não dizer “hackeada”?

 

O livro “O Nobre Deputado”, escrito pelo juiz Márlon Reis, um dos idealizadores e redatores da Lei da Ficha Limpa, tem como objetivo mostrar o processo de manipulação do eleitor. Primordialmente, também visa reproduzir a formação de um político corrupto. Os personagens, fictícios (mas baseados em depoimentos de políticos, gravados pelo juiz) têm um “jeitinho brasileiro” astuto e capaz de driblar as regras. A política, para eles, é aquele jogo de futebol no campinho da cidade de interior. Quem tem mais dinheiro é o dono da bola, portanto, se não está ganhando o jogo, “manda a palhaçada terminar”.

 

O não tão nobre protagonista, Cândido Peçanha, é deputado federal. Para conseguir o que quer, faz de tudo. Esse “homem de bem” mente, faz o povo se conformar com pouco, “hackeia” mentes através de presentes inúteis (como os que os portugueses ofereciam aos índios quando “descobriram” as terras brasileiras). Paro por aqui, pois se fosse falar tudo que ele faz de podre, meu estômago não aguentaria. Afinal, ficção é ficção, certo? Errado. Erradíssimo!

 

Obviamente, o final do parágrafo anterior foi uma brincadeira não muito nobre. Peço desculpas, mas não me contive! A ironia falou mais alto. Do mesmo jeito, Cândido Peçanha transpirava o mau cheiro da corrupção, mas as pessoas ao seu redor não possuíam olfato. Ninguém quis perceber que ele, e uma gama de outros usurpadores, estavam fétidos ao ponto de afetar o prédio todo. Em maior ou menor nível, é isso que fazemos todos os dias: vemos atos de “microcorrupção” e escolhemos deixar de lado, afinal “o problema não é nosso”. Pois saiba que o problema pode não ser nosso, mas chega a nós. A polícia mal treinada, a saúde precária e a infraestrutura de transportes em péssimas condições são exemplos básicos disso.

 

Enfim, chegamos à questão: será que existe algum político que ainda se mantém "nobre"? Segundo o livro, parece que não. Uma hora ou outra, o poder sobe à cabeça e a corrupção invade o ser. O processo é lento e gradual, porém extremamente sedutor.

 

Bom, volto ao início do texto e admito que ainda fico estupefata com muitas propagandas feitas pelo governo. A diferença é que hoje sei ler, escrever, criticar e votar conscientemente. Ler "O Nobre Deputado" é uma experiência única para quem quer conhecer a parte horrível da política, ou, melhor dizendo, dos políticos. Essas pessoas fazem um desserviço à população. O sentimento de repulsa do povo com relação ao dia do voto é crescente. Apesar disso, acrescento: Cândido Peçanha pode representar vários, mas não todos. "Enquanto há vida, há esperança". A frase proferida por Cícero há mais de dois mil anos continua mais que atual e necessária. 

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