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Indústria Oscilante

 

Aline Ludtke

 

“Não é só sobre música, mas sobre as coisas e atitudes que a música envolve”. Este foi o lema proposto por Jann Wenner à revista Rolling Stone em sua primeira edição. Lançada por ele em parceria com o crítico musical Ralph Gleason na década de 1960, a publicação era regida pelas características do movimento de contracultura. Oferecendo aos jovens que compunham seu público-alvo a oportunidade de liberdade dos padrões de expressão, comportamento e consumo da época, o periódico abordou temas polêmicos como a Guerra do Vietnã. A aproximação com o público não durou muito, no entanto, sendo revertida quando – poucos anos após seu lançamento – a sede de Rolling Stone mudou-se para New York, sucumbindo ao padrão exigido pela indústria para manter-se no mercado. A partir daí, o que se viu foi a mudança de abordagem da RS, que passou de temas ligados estritamente à música para tratar do mundo do entretenimento em geral.

 

Numa breve observação de suas capas, é possível notar o perfil nada conservador e ousado da revista. Artistas, dos mais variados nichos, chocam posando com caretas ou mesmo nus, como é o caso da clássica foto de John Lennon e Yoko Ono abraçados estampando uma edição de 1972. Ou, mais recentemente, quando a cantora Miley Cyrus apareceu seminua com a língua de fora na capa da edição de outubro de 2013. Essa ousadia parece fazer parte da estratégia de marketing da revista, pois, numa análise mais atenta do conteúdo, o que antes se propunha a promover a identificação do público com a arte passou a dar destaque para os chamados artistas. As matérias que antes davam voz às mensagens da contracultura, que se destinavam a questionar os padrões da época – a corrida armamentista que gerava a alucinante produção industrial e o consumismo resultante – deram lugar a perfis sobre os ícones do momento. A arte deixou os holofotes para ser o trampolim dos que então ocuparam o centro das atenções.

 

Além disso, dos “sete pilares fundamentais” nos quais a revista declara estar baseada, quatro são seções relacionadas ao consumo: música e cultura, tecnologia, moda, consumo e mercado. Nelas, são veiculados perfis com artistas e pessoas ligadas à televisão, música ou literatura, resenhas de lançamentos tecnológicos, ensaios com as tendências do mundo fashion, entre outros. De acordo com os valores transmitidos em cada uma dessas seções, é pregado um estilo de vida tido como ideal: o dos paparazzi, sexo e uma rotina em que dinheiro não é problema.

 

Numa leitura mais atenta, no entanto, é possível perceber a volubilidade da indústria cultural. Nas matérias de capa com cada artista, não são poupados adjetivos e elogios à personalidade em questão. Mesmo algumas celebridades conhecidas por sua conduta “rebelde” e polêmica são retratadas por seu lado fora dos palcos, e suas peculiaridades, justificadas por episódios de sua vida. À primeira instância, pode parecer uma postura humana da revista, tentando mostrar ao público o que não é possível ver nas manchetes sensacionalistas de tablóides. Mas quando se faz uma busca mais profunda, são encontradas contradições claras. Um exemplo é o mesmo caso da cantora Miley Cyrus, retratada assim em sua matéria de capa: “Nesta era de profunda polarização, há uma coisa com a qual praticamente todo mundo concorda: é uma época interessante para ser Miley Cyrus. ... Só que tudo isso foi um prelúdio para a Miley 3.0, uma estrela pop que mostra a língua, dança muito e é toda crescidinha, queira você ou não”, com um ensaio fotográfico no mínimo provocante. Em outra matéria, dois anos antes, a revista não hesita em declarar: “Miley Cyrus e Christina Aguilera praticamente destruíram suas carreiras tentando copiá-la [Lady Gaga]”. Dois pesos e duas medidas? Não. Apenas indústria cultural sendo indústria cultural.

 

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