top of page

O exílio da transgressão

 

Ah! Os líquidos de Bauman.... O sociólogo em sua extensa obra sobre a pós-modernidade enfatizou exaustivamente a característica cada vez mais marcante desta sociedade. Liquidez. Uma sociedade  que já não se deixa conter por formas, padrões sólidos.  Quanto mais leio Bauman, mais concluo que nossa realidade vem se tornando, pouco a pouco, um universo inteiramente contracultural. Afinal, a marca da contracultura sempre foi sua fluidez. Sua capacidade de vencer forma e estrutura, a perturbadora velocidade de sua insurgência, a flexibilidade de seus caminhos, sua intrigante característica de mutação (forma, transforma, desaparece).

 

Timothy Leary disse que "contracuultura floresce sempre e onde quer que alguns membros de uma sociedade escolham estilos de vida, expressões artísticas e formas de pensamento e comportamento que sinceramente incorporam o antigo axioma segundo o qual a única e verdadeira constante é a própria mudança". Contracultura é romper, por definição. Ao passo que sua constante insurgência também a faz tradição. É a tradição de romper com a tradição. Ultrapassar o estabelecido no presente e abrir uma janela, profunda e perene, para o novo. De fato, a contracultura é a mãe de toda a cultura. Ela é a tradição que, ao atacar todas as tradições, dá origem à novas tradições.

 

Movimentos e personagens da contracultura são tão antigos quanto a própria cultura. E tão perene quanto estes movimentos é o que se segue a eles: o exílio. Um exílio provocado pela transgressão. Se voltarmos aos mitos clássicos, podemos compreender como este ciclo é real. Depois de trazer a tocha do conhecimento aos mortais, Prometheus foi sentenciado por Zeus ao exílio e a tortura. O mesmo pode ser observado na origem da tradiçao judaica-cristã. Para produzir mudança, para impor um novo sistema de organização social e religiosa, Abraão foi obrigado a submeter-se ao exílio, ao nomadismo.

 

Sócrates, Jesus, Galileu, Einstein, Lutero, Gandhi, Mark Twain, Mandela todos foram contraculturais e todos eles foram submtidos ao exílio, ao descrédito, até que suas idéias, teorias, estilos de vida se tornassem modismos e perdessem (pelo menos ou pouco) sua força ideológica. Temos uma horrível tendência a rejeitar tudo aquilo que nos coloca em posições onde padrões e regras são dispensáveis. E rejeitamos também as pessoas que nos fazem refletir sobre a necessidade de abandonar tais padrões.

 

Em uma sociedade cada vez mais líquida, tão líquida quanto são os movimentos contraculturais, devemos nos voltar completamente ao exílio da transgressão. No sentido de que como mídia, nosso dever é o do esclarecimento, não o do tolhimento. É preciso transgredir-se e exilar-se das posturas conservadoras a fim de produzir iluminação quanto a temáticas que, por hora, parecem absurdos.

 

Como a mídia trata os movimentos contraculturais? Com o esnobismo proveniente de um conservadorismo mal-entendido. Como ela deveria tratar a temática? Com o desapego vanguardista que, ainda que leve a um exílio, transgride, trasncende, transforma.

 

 

Andréia Moura

Editora-chefe do Canal da Imprensa

bottom of page