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Chuva de persuasão

 

Juliana Dorneles

 

Mesmo entendendo que o jornalismo do nosso país é corrompido, sabemos que o seu objetivo é - ou deveria ser - informar e denunciar. Mas não é tão simples assim! A ideia de informar puramente, sem resquícios de imparcialidade, já é derrubada quando escolhemos o assunto a ser tratado. Esse “recorte’’ do fato já é parcial. Por que escolhemos contar isso e não aquilo? Queremos levar o público aonde? Será que, mesmo sem perceber, estamos querendo manipular o leitor? Talvez “manipular” seja uma expressão muito forte. Mas o que se quer realmente é levar o leitor a pensar e a se posicionar a nosso favor.

 

Essa teoria da persuasão me foi comprovada, ainda mais, ao analisar a cobertura da temática da crise hídrica feita pela revista Carta Capital. Esse assunto não foi alvo de muito destaque na Carta, levando em consideração que é um fato atual e de interesse público. Porém as notícias que foram passadas, em alguns momentos, deixaram transparecer um tom de indignação, principalmente para com os supostos responsáveis da crise.

 

No primeiro parágrafo da reportagem intitulada “As 5 perguntas que a Sabesp se recusa a responder”, a revista faz uma comparação sarcástica entre as milhares de pessoas que sofrem com a crise e a postura da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que oculta informações de interesse público. Caso as informações estejam corretas ao longo do texto, temos o direito de nos revoltarmos. Mas será que a revista agiu corretamente? Porventura a indignação dela está bem fundamentada?

 

Outro ponto que desperta atenção é a ênfase dada aos “maiores consumidores”. Para fins de contextualização, deixe-me explicar melhor. A Sabesp tinha um acordo de fidelidade com algumas grandes empresas. Elas deveriam gastar um valor ‘x’ de água para pagar menos. E, a partir daí, quanto mais gastassem menos pagariam. Contudo isso não agradou a Carta Capital. A fim de terem uma noção do quanto ela não gostou, das sete matérias feitas neste ano sobre o colapso hídrico, cinco tocaram nesse assunto.

 

Tudo isso é veiculado por intermédio de narrativas que contêm um enredo que contagia o leitor. Assim, o objetivo de persuadir é atingido de maneira leve e eficaz. Essa é, então, uma das estratégias sutis de se envolver o leitor, a qual muitas vezes passa despercebida.

 

Falando em envolver o leitor, resolvi dar uma lida nos comentários que podem ser feitos abaixo da reportagem. É notável uma certa indignação por parte dos que escrevem. Aí surge a seguinte dúvida: será que o leitor ficou revoltado com a informação que a revista passou por consciência própria ou agiu assim porque o direcionamento do texto induzia a esse comportamento?

 

O papel do jornalismo é informar e denunciar. Posicionar e tomar algum partido é responsabilidade de quem lê. Entretanto infelizmente há uma inversão de papéis. Parte da sociedade acaba sendo levada pela onda que o jornalismo cria. Sendo assim, a nossa maior sede deveria ser de um jornalismo limpo, pois assim estaríamos informados o suficiente para pensarmos e agirmos segundo as nossas próprias conclusões. 

 

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