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Nosso suicídio

 

Thamires Mattos

 

Certa vez, li uma crônica que abordava o assunto da escassez de água no mundo. Em um futuro pós-apocalíptico, a população mundial seria como os “Jetsons”. Nossa comida seria feita de moldes feitos por impressoras 3D e acrescida de vitaminas artificiais. Nada de arroz e feijão de verdade. Um bom prato impresso seria a única oportunidade viável de alimentação para alguém que não seja o Tio Patinhas e só toma meio copo de água por ano. As pessoas morreriam com, no máximo, trinta anos. As rugas começariam a aparecer aos quinze. O cabelo de todos deveria ser raspado, pois não existiriam mais chuveiros. Tudo seria descartável, inclusive a felicidade, a qual fora sacrificada pelos gerentes malsucedidos do planeta – nós.

 

Não é só no futuro que somos reconhecidos como maus administradores da água e do equilíbrio ambiental. O presente já nos coloca nessa posição e pede soluções para os diversos problemas. São Paulo e sua crise hídrica “latente” estão nessa lista infinita de “reparos”. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), 35% da população mundial não tem acesso a água tratada e 43% não contam com serviços de saneamento básico. Assim, mais de dez milhões de pessoas morrem anualmente devido a doenças intestinais transmitidas pela água.

 

Antes de colocar a culpa nos governos e indústrias, medite na veracidade de seu julgamento. Quem é responsável pela eleição dos governantes e pelo uso exorbitante da água nas indústrias? Os verdadeiros culpados somos nós! Ficamos quietos e acomodados frente a situações de desperdício de água e essa indiferença se dá única e exclusivamente quando não atinge nosso encanamento.

 

Ainda segundo os dados da ONU, controlar a água significa “ter poder”. Por exemplo, um estadunidense pode chegar a consumir 6.800 litros de água durante um dia. Um brasileiro usa cerca de 1.381 litros, enquanto que um etíope e um queniano utilizam 50 litros/dia cada. Entre os países do G20, o Brasil só perde para o Canadá em disponibilidade de água per capita (por pessoa). Cerca de 12% da água doce no globo está em nosso território e nossa população representa aproximadamente 3% da mundial. Tudo isso seria muito bom, se não esquecêssemos que essas reservas de água se concentram, principalmente, em regiões remotamente habitadas. Nove estados brasileiros já se encontram ou estão no limiar do estresse hídrico (quando a demanda de água supera a oferta). Além dos estados mais áridos do nordeste, se incluem nesse dado os mais urbanizados, como o Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo. Isso mostra que a crise hídrica também é fruto do intenso êxodo rural, ou seja, metrópoles consomem muito mais do que tem, pois estão “inchadas” de gente.

 

Vale lembrar da vilã do século: a poluição. Quando a cidade de São Paulo foi fundada pelos jesuítas há 461 anos atrás, os rios Tietê, Pinheiros, Anhangabaú e Tamanduateí eram fontes abundantes para o abastecimento da cidade. Hoje, o Tietê, mesmo passando por processos de despoluição diversas vezes, ainda é um lamaçal no trecho que corta a cidade. Não se vê melhora alguma. O esgoto deveria ser estancado, pois a natureza, sozinha, não consegue reparar os danos causados por anos de mau planejamento e descuido. Os reservatórios também estão poluídos. E, para piorar a situação, as mesmas pessoas que jogam toneladas de lixo dentro do Tietê poderão ficar sem água ou, pelo menos, pagar mais caro a fim de tê-la. Sendo assim, nossa falta de bom senso e o desleixo com a natureza são capazes de tornar seca uma metrópole.

 

Se o futuro pós-apocalíptico chegasse agora, nos conscientizaríamos do valor imensurável da água – um recurso não renovável. É hora de apreciar o que temos hoje e cuidar de nossa reserva hídrica. Talvez o “reparo” não seja possível, mas a prevenção contra crises piores é viável. Se cada um fizer sua parte, ninguém precisará almoçar feijão com arroz feito na impressora 3D e nem morrer de sede. Se nada mudar, mataremos uns aos outros, nós mesmos e o planeta. 

 

 

 

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