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“Infelizmente São Paulo não fez a lição de casa”

 

Benaya Vancine

 

Apesar de o Brasil possuir 8% de toda a água doce existente no planeta, algumas regiões do país vivem uma crise sem precedentes, já que a falta de abastecimento de água se tornou uma realidade brasileira. Diversas localidades realizam esforços para reduzir o consumo hídrico. Sobre o assunto, o Canal da Imprensa conversou com Caetano Cônsolo. Ele é geógrafo, mestre em educação ambiental, e autor de dois livros.

 

Canal da Imprensa: Em sua análise quais são as principais razões para a crise hídrica?

 

Caetano Cônsolo: No caso da região metropolitana de São Paulo houve um processo de urbanização anômala em função de optarmos pelo desenvolvimento rápido. Esse processo não foi acompanhado por políticas públicas adequadas, principalmente saneamento básico. Segundo dados do governo, hoje, em São Paulo, cerca de 67% do esgoto está sendo tratado, porém ainda existem muitos vazamentos de água pelas tubulações que são antigas. Muitas ligações clandestinas acabam permitindo que outra parte da água seja perdida pelo caminho sem que cheguem as residências. Aliada a essas perdas está o consumo excessivo de água na agroindústria. No caso do rio Tietê, por exemplo, temos projetos para despoluir suas águas, mas nunca saíram do papel. Recebemos verba do Japão ainda no governo Mário Covas, porém nunca foi aplicada. Culpar a natureza pela falta d á́ gua em São Paulo é uma das formas do governo tentar se eximir de sua responsabilidade. É certo que houve um atraso nas precipitações e as chuvas que caíram não foram suficientes para abastecer os mananciais, contudo temos que estar preparados para enfrentar essas crises e, infelizmente, São Paulo não fez o dever de casa.

 

CI: Em sua opinião a crise hídrica enfrentada principalmente na Região Sudeste seria ocasional ou permanente?

 

Cônsolo: Acredito que possa ser ocasional, pois dependemos apenas de políticas públicas adequadas como salientei anteriormente. Se nada for feito após esse aviso, “aí” sim poderemos passar por problemas mais graves ainda nos próximos anos. A população não para de crescer e a tendência sempre foi a ocupação dos grandes centros urbanos onde há trabalho. Esse fato não pode ser evitado.

 

CI: Há algum comportamento socioambiental que possa contribuir a ponto de fazer com que o volume de chuva aumente?

 

Cônsolo: Sim, evitar o desmatamento, repovoar áreas degradadas, cumprir as leis de proteção aos mananciais e nascentes.

 

CI: O novo código florestal prevê a preservação de 15 metros de floresta a partir das nascentes dos rios. No código anterior o comprimento era de 50 metros, ou seja, o novo código agrava a crise hídrica do Brasil já que reduz a proteção dos mananciais de água. Em sua opinião a preservação ambiental é levada a sério em nosso país?

 

Cônsolo: Infelizmente, o código florestal não é levado a sério. Moro em área de mananciais, bem próximo da Represa do Guarapiranga. Em 2012, foram proibidas ligações de energia por parte da Eletropaulo em residências que seriam construídas a partir daquele ano nas áreas próximas da represa. Ocorre que de 2012 para “cá” foram construídas várias mansões próximas à represa e todo o projeto foi aprovado pelo governo, ou seja, somente a classe pobre foi penalizada; pois essas, sim, não puderam construir suas casas. Em vez de reduzir essas áreas de florestas, elas deveriam ser ampliadas. Não através de decretos e leis, mas sim dando incentivos para que o agricultor ou pecuarista repovoem mais áreas, ampliando assim o cinturão verde ao redor dos mananciais. Toda vez que desmatamos, aumentamos o processo de assoreamento dos cursos d ́água. Nascentes e rios desaparecem por falta de proteção já que as folhas das árvores servem como “guarda-chuva” evitando o impacto direto com o solo. Por outro lado, as raízes abrem galerias facilitando o abastecimento do lençol freático.

 

CI: A mídia afirma que estamos em meio a uma crise sem precedentes. Qual a sua opinião em relação à agricultura, considerada um dos setores que mais gastam água (cerca de 70% da água captada no país)? Seria ela uma vilã?

 

Cônsolo: Podemos considerar que em alguns casos sim, pois tem conhecimento das técnicas para evitar o desperdício, mas não aplicam. No caso do pequeno e médio agricultor eu diria que não, já que falta conhecimento, dinheiro e técnicas para evitar esse desperdício. Não podemos esquecer que para produzir 1 kg de carne gastamos cerca de 15.000 litros de água e para produzir 1 kg de milho 900 litros.

 

CI: Até que ponto a economia de água feita pela população seria um fator relevante considerando o percentual gasto em outros setores, como por exemplo, o agronegócio?

 

Cônsolo: É uma questão de comodidade. É mais fácil acusar a população como a grande responsável pela falta d á́ gua, pois não tem como se defender. Ameaçar e cobrar valores elevados pelo consumo de água é mais cômodo do que enfrentar os grandes empreendedores do agronegócio. É claro que cada um deve fazer sua parte, mas justiça seja feita, a população tem feito a parte dela. Mas, se tratando de grandes empresários da soja por exemplo, acredito que o governo deveria fiscalizar e aplicar multas pesadas para aqueles que não utilizam os recursos naturais adequadamente.

 

CI: Existe solução a curto e longo prazo para amenizar as consequências da crise hídrica do país?

 

Cônsolo: Não existe, pois obras deveriam ter sido feitas há muitos anos atrás. Nenhum governo irá iniciar uma obra que não pode ser feita em menos de cinco anos sabendo que seu mandato é de quatro anos. É sempre aquela velha história “não posso correr o risco de fazer e o outro inaugurar”. O que pode ser feito são medidas paleativas para amenizar a crise. Diminuir os vazamentos dos canos que levam água para a população. Fiscalizar as ligações clandestinas e as áreas agrícolas a fim de saber como a água está sendo usada. Incentivar as indústrias a reutilizar a água e contar com as condições climáticas que, pelo menos por enquanto, tem colaborado.

 

CI: A seu ver, a crise presente na Região Sudeste poderia se alastrar por outros estados brasileiros?

 

Cônsolo: Esse fato serve como um alerta para outros estados, principalmente os da Região Norte onde existe um grande volume de água, porém menos de 50% dessas águas são tratadas e estão prontas para consumo humano. Quanto aos que estão em desenvolvimento é preciso fazer um estudo detalhado dos recursos hídricos disponíveis, reforçar a fiscalização, reflorestar as áreas degradadas e fazer um trabalho constante de conscientização. A previsão de crescimento da população deve ser feita para que as obras iniciem antes que a crise hídrica chegue. Quanto maior a população, maior o consumo. E isso é básico para que o governante saiba onde e como aplicar os recursos. 

    
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