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11º - "Não verás país nenhum"

 

Andréia Moura

 

"Melhor viver um dia só, sem fim. O que tiver que acontecer, é dentro dele." É assim que Adelaide, mulher de Souza, ambos protagonistas da obra de Ignácio de Loyola Brandão ‘Não verás país nenhum’ justifica sua neurose para não contar o tempo. E para que contar o tempo em um mundo em que há escassez de água e plantas, não há alimentos naturais, com completa ausência de vegetação, calor extremo, atmosfera sufocante? Em uma São Paulo futurística, superpovoada, em que livros, jornais, televisão e universidades são censurados?

 

A obra, publicada em 1981, narra a história de um Brasil pós- apocalíptico, um futuro indeterminado dominado por um governo medíocre (o Esquema) em que as metrópoles engolem a população com o calor extremo, a Amazônia virou deserto e as pessoas vivem em castas. Os mais pobres, sobrevivendo do lixo acumulado ao redor das cidades. Uma vida de gado.

 

Souza, ex-professor universitário aposentado compulsoriamente por questionar o governo, acaba virando um revisor de papéis qualquer. O livro é centrado em seus dramas pessoais, no medo, na insegurança, nas dúvidas sobre o passado, na falta de vontade quanto ao presente, na veracidade das memórias que revive diariamente. Para piorar sua situação, um estranho buraco surge do nada em sua mão e isto custa-lhe o emprego, o respeito dos vizinhos, a mulher. A partir de então, Souza passa a existir apenas no âmbito da sobrevivência, até mesmo desejando (por vezes), não sobreviver. Vira mendigo.

 

Afora todos os dramas que a obra apresenta, o que nos importa refletir aqui é a questão do mundo pós-apocalíptico imaginado por Brandão e o que uma escassez de recursos provocada pelo mau uso do meio ambiente poderia produzir para a humanidade. Como a extinção das condições de vida muda as relações entre o poder e o povo e, até mesmo, nossos dramas interiores? Mesmo tendo sido escrito há mais de 30 anos o livro fala de atualidade. Do aquecimento global que nos persegue, da desigualdade social e dos governos tiranos que se seguem a esta realidade primeira.

 

Um livro absurdamente pessimista, mas nenhum pouco irrelevante. Já naquela época, Brandão alertava para o desastre ambiental/social que fatalmente ocorrerá (e que já se mostra real) por causa do desconhecimento que o povo nutre quanto à maneira de preservar o meio e ao poder político que dele emana. E esta educação, que deveria ser conduzida pelo governo, segue nas mãos de um poder muito pouco interessado no "amanhã" do planeta.

 

O que salta aos olhos, em minha despretensiosa análise da obra é que ela ressalta, em seu roteiro, um ponto assustador. O desastre ambiental, o esgotamento de nossos recursos naturais, segue-se, inevitavelmente, a um racionamento conduzido por uma tirania aceita. O fim das condições de vida deste planeta não tem outro caminho que não o da população submetida a um governo ditatorial. Como controlar o acesso aos parcos recursos restantes sem que haja autoritarismo, violência, censura?

 

O apocalipse de nossos recursos naturais não é uma utópica realidade futura. É realidade presente. Não "acontecerá". Já está acontecendo. Resta a nós algumas perguntas: aceitaremos o que naturalmente segue tal situação? Nos submeteremos a necessária ditadura que advém disto? Se não, como deter o apocalipse da natureza?

 

Caso as coisas continuem seguindo tal fluxo, que futuro nos restaria? Nada, a não ser a aceitação de um 11º mandamento: "Não verás país nenhum"! 

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