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Sentença REC

 

Lá vem ela. Liga a câmera. Filma. Entrevista. Veicula e sentencia. Do jeito dela, claro, porque ela... Ah, ela! Ela é a grande mídia.

 

Isadora Stentzler

 

Lá vem ela. Cheia de diz-que-me-diz-que. Veio para julgar. Veio para sentenciar. A mãe bandida, o pai bandido, o filho bandido. A mãe, o pai, o filho e o bandido. E não demora. Logo o faz. Liga a câmera. A primeira sentença é dada. REC. Foi enquadrado. De todos os ângulos. Claro, o foco está no paupérrimo. Observam: “Tem a cor do crime”. “O jeito do crime”. “O cheiro do crime”. “A roupa do crime”. “O preço do crime”. É a ele que sentenciam. Escolhem por vítima. “Anda! Paupérrimo!” Filma. Não sabe qual texto usar de apoio, mas filma. Não faz perguntas, mas filma. Não sabe nomes, mas filma. Não pede permissão, mas filma. Filma para banco de dados. Filma para dar legenda. Filma para ter provas. Filma para forjar provas. Nessa balburdia, o enquadramento é bitolado. Desfocado. Deixado por ela assim. Para excluir o que não interessa. Ou o que a mandaram excluir. Às vezes há mais notícias nas exclusões. Sim, há. Mas ela já está cega para perceber. E aí entrevista. Pede coisas tolas. Pede pra estranhos. Pede em off. Pede sem permissão. E segue pedindo. Pede sem saber pedir. Pede sem pré-apuração. Pede sem pré-preparo. Pede sem preparo. Veicula. E então sentencia. Chama de bandido. Diz que é culpado. Distorce. Julga. Pune. Pede justiça. Sensacionalisa. Mata aos poucos. Manda torturar. Demoniza. Chama de estranho. Fala que é errado. Diz que não pode. Proíbe. Inventa apelidos. Castiga. Repreende. Judia. Mata moralmente. Censura. Cala a minoria. Vende mentira por verdade. Suja reputação. E convence. Culpado! Culpada! Culpados! Culpadas! Vitoriosa, condena. Era o que queria. A grande mídia conseguiu. Invadiu mentes. Inflamou cérebros com injúrias. Distorceu ideais. Tornou importante a mentira. Julgou o inocente. Emitiu opinião. Disse que era verdade. Tomou posição. E todos concordaram. Assim venceu. De novo. Nas bases da notícia forjada. Ah, grande mídia, pena ser você a dona da sentença REC.

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