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De que lado você samba?

 

Norton Rocha

 

Quaisquer destes veículos que apregoam notícias como verdades imutáveis e legitimam fatos complexos como eventos concretos, isolados de um vasto contexto, geralmente inundados pelas mais profundas perspectivas, acabam, inevitavelmente, com a instigante possibilidade de elevar a mídia à condição de agente propulsora dos debates mais profundos sobre o que é, de fato, intrínseco ao cotidiano da sociedade. Vai saber se as canções de Emicida não são mais efetivas diante desta profusão de ideias, deste amontoado de links, fotos, notas, reportagens e entrevistas sobre o carnaval e sobre o que pessoas absolutamente desinteressantes pensam sobre tudo isto. O que mais parece um classificado de personas non gratas numa busca desenfreada pelo reconhecimento, surge em confetes como estratégia mordaz para consolidar ou definhar celebridades do nosso show biz, e o pior, a partir de interesses aleatórios aos comuns de um público socialmente inerte.

 

No som Quero ver quarta-feira chegar, produzido em parceria com Mat’nália, o rapper Emicida, fenômeno da cena no país, revela-se num trecho: “Vendo a comunidade dar o sangue todo dia. Pras modelete global ser rainha da bateria. Quem tem dinheiro alcança sua fantasia sem zelo. Quem bordou ela, fantasia em sair desse pesadelo...”. Tal como as notícias de jornal servem a interesses econômicos evidentemente estabelecidos pela classe dominante, o rap resiste como uma forma urgente encontrada pela população de baixa renda para se manifestar. Contrapondo ou não, ele é a principal mídia da favela. Crianças, adolescentes, jovens e adultos recitam trechos de composições de artistas como os Racionais MC’s e Sabotage como se fossem retratos noticiosos de algum acontecimento trágico ocorrido em qualquer favela. E talvez seja. Pois a propósito da desqualificação da chamada grande imprensa na cobertura dos principais acontecimentos dos últimos tempos, existem resistências responsáveis pela revelação de determinadas verdades jamais abordadas pela grande imprensa.

 

A desordem do pagode

 

Enquanto toda esta parafernália da imprensa atua descaradamente em prol de meia dúzia de anunciantes, seus profissionais trabalham estratégias de manter o público amarrado a factoides, deveras, desconcertante, quando as verdadeiras pautas já sabemos quais são. Metade dos principais sites de notícias do país se dedica a esclarecer pontos a respeito da última intriga de algum casal do Big Brother. A outra parte anuncia os destaques das escolas de samba. Enquanto isto os garis param no Rio, trazendo, além dos inevitáveis transtornos, uma pauta que há muito não era discutida. Repercutiu? A sujeira sim. A causa não. Já era de se esperar de uma imprensa que escolhe seus representantes políticos e os apresenta como estandartes de uma nova aurora. Alguém a quem o povo possa recorrer quanto às suas mazelas. Esta mesma mídia que vende é quem compra as demandas de uma classe que insiste em subjulgar a população menos abastada.

 

Desconhecer a luta de classes neste cenário é como abstrair o valor de uma regulamentação estratégica e fundamentalmente necessária para a consolidação dos espaços democráticos, com os quais a sociedade deve interagir. Tal como na publicidade as informações devem ser avaliadas não por governos ou empresas, mas por entidades legítimas, que ao representar devidamente determinado setor, possam, de maneira autônoma, deliberar sob a avaliação sóbria, o jornalismo deve passar substancialmente por este mesmo processo. Sem pensar como a escória da nata, sejamos críticos, sejamos ácidos, sejamos tolos, mas alteremos o status quo. Abalemos a inércia e a lancemos para além desta atmosfera. E que nossa conjuntura seja de vaias como sofreu a Beija Flor este ano ao homenagear a maior emissora de TV do país.

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