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Agenda Setting "à brasileira"

 

Cley Medeiros

 

Não é de hoje que a desconfiança sobre as possíveis manipulações de notícias por parte dos grandes meios de comunicação estão nas conversas dos brasileiros. Muito evidenciada durante as manifestações de junho, quando mídias independentes mostravam abusos policiais e os meios tradicionais diziam que a "minoria de vândalos" foram quem provocaram as reações violentas da polícia, a crítica à grande mídia passou a ser um dos assuntos mais comentados nas redes sociais e nos debates acadêmicos.

 

A mídia brasileira, controlada por uma oligarquia com menos de 10 famílias, já viveu histórias que beiraram o ridículo. Uma esquizofrenia editorial fez e faz da nossa mídia um dos objetos de estudo por teóricos do Agenda Setting, que defendem a ideia de que "os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos veiculados na imprensa, sugerindo que os meios de comunicação agendam nossas conversas.” Ou seja, a mídia nos diz sobre o que falar e pauta nossos relacionamentos.

 

A força do Agenda Setting "a brasileira", estimula comportamentos e juízos de valor em momentos de crise e de forte apelo emocional que acabam por direcionar o público única e exclusivamente a ter acesso apenas as informações oficiais, fora isso os grandes meios de comunicação não oferecem disponibilidade de apresentar uma informação completa. José Pereira, professor da Universidade de Lisboa, recentemente disse num semanário chamado "O Poder da imprensa" a seguinte frase: "A credibilidade da imprensa interfere diretamente na construção da realidade da população e em seus valores sociais."

 

Os meios de comunicação determinam não somente o que pensar, mas como devemos pensar.

 

O recente caso na Venezuela, por exemplo, acendeu um “alerta vermelho” sobre o processo de apuração das editorias internacionais. Uma análise técnica dos textos, com o mínimo de distanciamento da comoção das manifestações, que deixaram um triste saldo de 21 mortes, aponta para uma série de questionamentos pontuais que, segundo os manuais de redação dos principais veículos de comunicação, são essenciais para uma reportagem.

 

Nas últimas semanas, cenas de violência policial ou de tortura, registradas em muitas partes do mundo (inclusive no Brasil…), são apresentadas, em postagem no Facebook e twitter dos grandes veículos de comunicação, como se tivessem se passado na Venezuela. Não se trata de um caso – mas de um padrão, repetido em sequência. Não é, tudo indica, brincadeira de criança.

 

A tentativa de “capturar” as ruas já foi vivida, no Brasil, em junho de 2013. Dá-se agora na Venezuela, onde os setores mais extremados da oposição ao governo de Nicolas Maduro promovem atos violentos. Desta vez, incorpora um fator novo: o uso sistemático das redes sociais como arma de manipulação de informações – portanto, de produção de desigualdades simbólicas.

 

No Brasil não é de hoje que exemplos como os de cima são citados para falar sobre o Poder da Mídia no convencimento forçado.

 

Quando o Brasil viveu o período de abertura política e crescente papel da imprensa nos debates públicos, na década de 80, começando com as campanhas das "Diretas Já", até a primeira eleição direta para presidente e o seu impeachment, quem assistia TV parecia estar numa briga de galo. Enquanto Brizola era vítima de um golpe midiático, a Rede Globo de Televisão foi obrigada a emitir um direito de resposta em horário nobre aonde a voz de Cid Moreira leu as seguintes palavras: "Não reconheço na Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e, basta, para isso, olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura que, por 20 anos, dominou o nosso país."

 

A vitória de Fernando Collor de Mello, nas eleições de 1989, bem como a reeleição de Fernando Henrique Cardoso em 1998, por exemplo, foram apontadas por jornalistas e estudiosos da área como evidências do poder de mídia em influenciar a sociedade.

 

No Brasil, o caso clássico envolve a Escola Base, em 1994. Nos Estados Unidos, temos os clássicos de jornais de credibilidade como o New York Times e o USA Today envolvidos em caso de manipulação das informações e a publicação de históricas fantasiosas.

 

As notícias pautam nosso cotidiano, nossas conversas e possíveis ações, e isso acontece com o poder da mídia de selecionar o mais importante, segundo seu critério e linha editorial, e nos fazer enxergar que aquilo é a a única versão da história. Pode-se dizer que o poder de convencimento da mídia é capaz de gerar manipulação, no entanto outra parcela também tem culpa no cartório. Nos últimos 10 anos, segundo o Estudo da Trust Barometer, o brasileiro acredita sem duvidar na fonte midiática do fato e repassa aquele assunto pra frente, sem questionar.

 

Uma cultura de crítica de mídia e o reconhecimento que os meios de comunicação promovem o agenda setting é um dos pontos iniciais para termos uma cultura de questionamento de que nem tudo que a TV diz é a verdade.

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