top of page

A Venezuela que vivemos, a Venezuela da Folha

 

“A guerra fria, com seu ideologismo idiota de ambos os lados, só sobrevive no Brasil. Fica perigoso quando representantes mais articulados dessa histeria ganham espaço nos jornais. Em nenhum país se fala em “comunismo” e “irmãos Castro” como no neste País, com sua cantoria direitista.” - jornalista Júlio José Chiavenato.

 

Katherine Changanaquí

 

No olhar das publicações, observo uma Folha mais conservadora. No momento de informar, as opiniões dos ex-funcionários revelam um estilo de trabalho polêmico. Para alguns críticos e jornalistas apresenta-se uma Folha interesseira. Já na ideologia de outros profissionais, reconhece-se como uma referência no mercado do jornalismo impresso.

 

No intuito de obter a própria versão sobre a linha editorial do jornal, aprofundei-me na análise de uma das temáticas que obteve mais atenção pelo veículo nas últimas semanas: os conflitos na Venezuela. Estes foram fortemente noticiados pela Folha. Mas qual é a realidade que existe por trás da notícia? E como influíram estas informações na forma que nós entendemos os conflitos venezuelanos?

 

A Venezuela tornou-se a terra de ninguém. Manifestações que acabaram com a vida de muitos universitários, da miss Carabobo e de outros inocentes foram acontecimentos de grande relevância para mídia local nestas últimas semanas. Aos olhos do mundo apresenta-se uma Venezuela ditatorial onde os meios de comunicação estão perdidos e a censura faz parte do dia a dia. Um país onde as redes sociais são bloqueadas para evitar a difusão da informação. Uma Venezuela dona das nossas decepções.

 

Quando reflito sobre a Venezuela por meio das informações dos jornais sinto a mão de uma disfarçada ditadura. Um Nicolás Maduro insensível às reclamações do seu povo, cego pelo poder e tem com ávido desejo de aniquilar a oposição. Quando leio as reportagens da Folha imagino um herói Leopoldo López injustamente acusado e preso. Penso em um povo reprimido, sem possibilidade de se manifestar. Observo também um mar de sangue, que levou consigo universitários que tentavam lutar pelos seus direitos.

 

Frente à cobertura jornalística, uma frase é reincidente: golpe de Estado. Essa é frase que aparentemente explica a melhor alternativa de explicação para os conflitos venezuelanos.

 

Até quando, Venezuela? É a pergunta que nos vem à cabeça para quem tudo tem a ver com um complô da extrema-direita, após as declarações feitas por Maduro.

 

Apresenta-se um mandatário que nega a opinião ou qualquer tentativa de participação por parte de outros países perante o conflito social do país, criando preocupação no âmbito internacional. Não consigo aceitar a possibilidade de existir um presidente tão desinteressado pela sua sociedade e tão obcecado pelo poder.

 

Mas o que passa pela cabeça de Maduro? Quais são as suas opiniões? Qual é a voz dos defensores de governo?

 

A nossa resposta, independente do que é considerado um suposto, será a mesma: desconheço!

 

Desconheço porque em nenhuma matéria ou reportagem consegui ler o suficiente sobre a opinião do governo perante o desastre social. E as poucas linhas que achei ao respeito me descreviam um presidente cínico e frívolo.

 

A coletiva de imprensa não foi noticiada para a mídia internacional pelo presidente Nicolás Maduro, porque estes meios (Folha, principalmente) não estiveram presentes. Não houve a chance de informar sobre algum pronunciamento que desse a oportunidade ao governo de expressar o seu lado da história.

 

Falamos de bloqueio de redes do Twitter e do Facebook pelo Governo, mas esquecemos de informar sobre os quatro milhões de laptops distribuídos para os estudantes de ensino básico e médio. E nem sequer mencionamos os dois milhões de tablets que serão entregues para os universitários. Todos estes aparelhos com acesso livre à internet. Se o desejo é impedir o acesso à informação, qual seria a contradição perante esta nova política?

 

Ignoramos as opiniões sobre os aliados do governo porque cada reportagem nos trouxe uma historia diferente. No entanto, todas as fontes consultadas eram políticos da oposição ou ONGs contrárias.

 

Criticamos a repressão aos manifestantes, mas desconsideramos que a Venezuela impõe menos restrições para protestos que outras democracias, e que outorga proteção aos manifestantes, maior e melhor que as do Brasil.

 

Deixei de acompanhar às investigações sobre as mais de 20 mortes durante os protestos, porque já temos culpados. Os quais, segundo informações do jornal aqui criticado, são representantes da guardiã nacional.

 

Conceitos como coletivos, milícias e paramilitares são sempre confundidos como se falássemos do mesmo termo, como se movimentos sociais representassem crimes onde a milícia precisa atuar.

 

Precisava-se de maior imparcialidade nas informações. Conhecer as duas versões da história: a da oposição e do governo. Seria ideal se manchetes sobre censura, violência ou ataques da ditadura ficassem de fora para dar lugar às notícias que nos permitam entender os fatos reais sem omissão alguma do que acontece no país de Chávez.

 

Não, não é por isso que agora são justificáveis as atitudes de Maduro perante uma crise social. Porém, são necessárias maiores informações para compreender que nem todos os sistemas sociais são iguais ao nosso, e que todas estas desconformidades com determinados governos possuem grande bagagem histórica no passado. Por consequência, teríamos um forte impacto no presente e uma grande influência no futuro.

 

Revivem-se as lembranças de uma Folha conservadora, polêmica, que força demais as informações. Uma Folha de S. Paulo que seria talvez uma Falha, um panfleto que não passa de ser comercial antiético ou até imoral.

 

Identifico-me com o chamado de muitos brasileiros, pedindo informações mais claras. Gostaria de saber da Venezuela por meio do olhar da realidade e não dos interesses da notícia.

 

Necessita-se de mais dados, para compreender os acontecimentos e eu, leitora, poder obter minhas próprias versões. Poder chegar às minhas próprias conclusões. Pena que essas reportagens realizadas por tal veículo não nos fornecem o mínimo necessário para tanto.

 

Faço minhas as palavras do escritor e jornalista Júlio José Chiavenato, ex- funcionário da Folha:

“É preciso avisar aos reacionários de plantão que a guerra fria acabou. A União Soviética e o socialismo morreram. Atenção, salvadores da pátria: a Venezuela não é socialista; Lula e o PT não são comunistas (estão mais próximos dos banqueiros e do restolho da ditadura); Cristina Kirchner sequer chega perto do peronismo de esquerda. A guerra fria, com seu ideologismo idiota de ambos os lados, só sobrevive no Brasil. Mas fica perigoso quando representantes mais articulados dessa histeria ganham espaço nos jornais. Em nenhum país se fala em “comunismo” e “irmãos castro” como no Brasil com sua cantoria direitista. O mundo pós-globalização é cruel, mas a cretinice parece que sentou praça no Brasil.”

 

Perante está afirmação, indago: até quando Venezuela? Até quando Folha?

bottom of page