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Globo, o tribunal moral brasileiro

 

Giselly Abdala

 

Um dos papéis mais importantes – se não o mais importante – desempenhado pela mídia decorre do poder em longo prazo que ela possui na construção dos conceitos de uma sociedade. Considerando que 97% da população brasileira mantém assíduo o hábito de assistir televisão, e, sendo a rede Globo o principal veículo do gênero, é natural que a mesma vomite seus valores e convicções, tantas vezes vagos e simplistas, sem serem, ao menos, questionadas por seus fiéis telespectadores.

 

Este quadro de inércia e falta de questionamento – talvez por impaciência ou mera preguiça – propicia que a rede dos Marinho conduza com facilidade a construção da realidade da população e paute desde seus diálogos casuais até sua opinião sobre o cenário político nacional. Determinam o que o público sabe ou ignora, presta atenção ou censura, realça ou negligencia. O juízo de valor empregado é simples: no tribunal moral da rede Globo, quem tem o viés mais reacionário e à direita é legitimado.

 

Partindo do pressuposto em que para um fato se tornar conhecido – ou até mesmo “exista” – é vital que transite nos grandes meios de comunicação, silenciar ocorridos é tão ou mais eficiente que publicar. Esta arte do silêncio por conveniência é dominada e praticada pelo principal telejornal da TV brasileira, o Jornal Nacional, que há anos omite fatos, ou perspectivas de fatos, incitando, direta ou indiretamente, o conservadorismo.

 

Com o fim da ditadura, em 1976, o telefolhetim global não mais podia alegar censura, o que o fez mudar de estratégia. Fatos que mereciam reportagens completas recebiam apenas uma nota sob a justificativa de falta de espaço. Como a guerra dos metalúrgicos, em 1980, em que foi publicada apenas a chamada “lapadinha”.

 

Já em 1984, o então ministro da casa civil, Leitão de Abreu convenceu Roberto Marinho de que a campanha para as eleições diretas era nociva para o governo de João Baptista e, consequentemente, para o bem estar nacional. Impulsionando a Globo a cometer uma de suas coberturas mais esdrúxulas no dia 25 de janeiro, em que centenas de milhares de pessoas se reuniram na praça da Sé pedindo as diretas, Boni determinou que uma repórter falasse do local, em apenas vinte segundos, que ali estava sendo comemorado o aniversário de São Paulo.

 

Ainda hoje, entre um e outro episódio, a banalização dos movimentos populares permanece. Para a Globo, no Brasil não temos manifestantes, somente vândalos. No último protesto contra a Copa, por exemplo, foi o único veículo a pautar sua cobertura em pequenas ações pontuais de “bagunça”. A matéria intitulada “Protesto contra a Copa tem detidos e banco depredado na Avenida Paulista”, só explica no final, na fala de um policial, que “foram detenções simples, de jovens portando artefatos simples”.

 

É de praxe ainda a condenação precipitada – talvez por pressa, preguiça ou fastio – daqueles que não participam de sua mesma ideologia política. O espetáculo midiático ocorrido no julgamento dos réus do mensalão evidenciou a tendência à deturpação e exercício frustrado do direito por parte dos seus jornalistas. Lançou todos os seus holofotes ao Supremo Tribunal Federal e se esqueceu de noticiar os R$ 511 milhões desviados pelo propinoduto tucano, chamado por eles de “propina em SP”. Dois pesos, duas medidas. Neste caso, é dada apenas uma pincelada no assunto, com todo o cuidado de não dar nome aos bois. O mensalão tucano, outro esquema de favorecimento também envolvendo políticos do PSDB, é igualmente preservado na cobertura.

 

O reflexo disso está nas ruas em forma de ódio generalizado por petistas e outros “arruaceiros”, além de quase total desconhecimento das atrocidades envolvendo o lado de lá. E não é por mero acaso. “Sim, eu uso o poder [da TV Globo], mas eu sempre faço isso patrioticamente, tentando corrigir as coisas, buscando os melhores caminhos para o país e seus estados”, disse Roberto Marinho ao The New York Times certa vez. Ou seja, a consciência moral e ideológica do país está agendada nas mãos dos justiceiros Marinho. Só esqueceram de lembrar estes senhores que seus interesses privados não coincidem, necessariamente, com o interesse público.

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