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Eu te pauto ou tu me pautas?

 

“Supõe, erra, distorce. Mas é como um ar poluído: não se vive sem ela [Mídia].”(Deni Gould - professor de Jornalismo nos Estados Unidos)

 

Anna Paula Rodrigues

 

Em conversas com jornalistas mais experientes, não é raro ouvir que já foi mais fácil entender e fazer jornalismo. Era simples: jornalistas escreviam e leitores liam. Na verdade, não tão simples assim, já que neste movimento de "eu escrevo" /"você lê" a sociedade é construída em sua forma de pensar. Em jornalismo, a lógica em que os meios definem o que os leitores devem saber, entender, falar e pensar é tratada em uma teoria conhecida como Agenda Setting. Resumidamente, ela pressupõe que as notícias são como são porque os veículos de comunicação é que ditam a pauta do debate social.

 

A jornalista e pesquisadora Juliana Brum, em artigo escrito para a revista eletrônica Comunicação Especializada na America Latina, defende que a pauta das conversas interpessoais é sugerida pelos jornais, televisão, rádio e internet proporcionando aos receptores a hierarquização dos assuntos que devem ser pensados e falados. “O Agenda Setting pode ser considerado um efeito social da mídia. Pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, ela determina os temas sobre os quais o público debaterá”, declara.

 

Um exemplo clássico deste fenômeno foi um caso noticiado por todos os jornais de 2002. A principais manchetes do país informavam, de forma a chocar a população, como o engenheiro Manfred Von Richthofent e sua mulher, a psiquiatra Marísia Von Richthofent, foram mortos com terríveis golpes de barra de ferro. Oito dias depois uma notícia acrescenta mais crueldade ao crime. A filha do casal, Suzane Von Richthofent, confessou ter planejado e participado do crime junto com o namorado Daniel Cravinhos e seu irmão, Cristian Cravinhos.

 

Quem não se lembra deste fato noticiado nos jornais e revistas da mídia nacional, e até mesmo internacional, sem se revoltar? Que sentimentos todas as reportagens na mídia geraram no povo, pela garota de apenas 19 anos que matou os pais? Pergunte aos amigos e com certeza todos terão a mesma opinião.

 

Entretanto, os meios de comunicação, principalmente a internet, com um alcance geral, desafiam a teoria do agendamento. É o que explica o jornalista e doutor em Ciências da Comunicação, Vanderlei Dorneles. Segundo ele, a sociedade se torna independente dos poderes constituídos. “A democratização da informação, na verdade, só ocorreu mesmo a partir da possibilidade de pessoas alienadas dos meios de produção ou do poder público poderem determinar uma pauta”, destaca.

 

Com o advento das redes sociais, a manifestação da teoria se torna ainda mais clara. Não sendo raro assuntos pautados pela televisão serem alvos de debates nas redes sociais. No twitter, por exemplo, uma maneira fácil de perceber esta realidade é o recurso do Trend Topics. A sessão consiste em uma lista dos dez assuntos mais comentados na rede em dado momento. O Trend Topics é formado a partir do ranking de hashtags dos assuntos pautados no dia.

 

Ou seja, a internet é uma forma de mostrar a diversidade de opiniões que nosso mundo conectado permite, apesar de viver sob o jugo do “agendamento”. ‘’Os internautas podem não só questionar e opinar a respeito das notícias, mas se tornam também geradores de conteúdo. Ou seja, o Agenda Setting não é função exclusiva dos jornalistas, mas está, aos poucos, sendo compartilhado com os próprios leitores/espectadores/ouvintes”, destaca o jornalista Danilo Pessôa.

 

Um caso interessante e que ganhou uma grande repercussão, tanto na mídia quanto nas redes sociais, foi o escândalo que vem abalando o mundo político brasileiro. Mensalão! Muitos dos veículos, ao tratarem o tema, gostam de utilizar o argumento de que todos são inocentes até que se prove o contrário. Eles se esquecem, no entanto, que isso não funciona na internet. Quando pensamos neste universo em que cidadão vira jornalista utilizando a plataforma online, resta a dúvida: neste caso, o jornalismo está pautando a sociedade, ou na verdade a sociedade passou a pautar o jornalismo?

 

Para Dorneles é parte do papel dos jornalistas selecionar e estabelecer prioridades dentre os múltiplos eventos e as interpretações dos mesmos. Ele ainda ressalta que é preciso lembrar da função jornalística de utilidade pública: “o jornalismo recebe uma espécie de mandato da sociedade. E a sociedade espera que ele seja honesto e coerente em cumpri-lo”, completa.

 

Já para Pessôa, apesar da mudança que está acontecendo, a mídia, no mundo todo, acaba pautando a sociedade. No Brasil, apesar de ser proibido constitucionalmente que os meios de comunicação social, direta ou indiretamente, sejam objeto de monopólio ou oligopólio, poucos grupos privados controlam os meios de comunicação. “Esse oligopólio acaba uniformizando a visão de mundo da mídia tradicional, e não abre espaço para ‘outras visões de mundo’. É aí que a internet vem se apresentar como mídia alternativa”, enfatiza.

 

Mas tudo bem. Deixa essa teoria se desenvolvendo na mídia. Enquanto isso vamos escrever em nossos murais e blogs e falar bem ou mal (há quem diga bem mal) contra a final do Big Brother Brasil 2014 que se aproxima, ou sobre a Copa do Mundo, afinal somos o país do futebol e estamos a menos de 100 dias para ver a Brazuca rolando em campo. Mas espera ai, eu li sobre isso hoje no jornal. OPS!

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