Farinha do mesmo saco
O terrorismo é quase tão antigo quanto a humanidade, mas muita gente não sabe disso e, pior, parece que a grande mídia também não
Alysson Huf
Quando você recebe a notícia de um ataque terrorista, qual é a primeira imagem que vem à sua mente? Muçulmanos radicais atirando pra todo lado e/ou se explodindo. Acertei? Provavelmente acertei - e isso não é nada bom. Se pararmos para pensar, para nós, ocidentais, o islã se tornou sinônimo de terrorismo, miséria e retrocesso. Tem muita gente por aí que enxerga os atos de terror como fruto exclusivo do Islamismo e de um punhado de outras seitas religiosas fanáticas. “São tudo farinha do mesmo saco”, generalizam. De quem é a culpa por essa mentalidade tão ignorante? Pode haver muitos atores por trás da estereotipação da religião islâmica, mas quero falar da mídia, a protagonista entre eles.
Primeiro, um pouco de história. Homero descreveu, em sua obra Odisseia, os atos terroristas que os Mnesteres praticaram na tentativa de matar Telêmaco, filho de Odisseu, para obter poder. Na Bíblia, os assírios eram conhecidos e temidos por suas práticas aterrorizantes. Isso fez com que muitos povos se rendessem a eles, já que ser conquistado por essa nação após um conflito armado era pior do que a morte. Roma, especialmente no período de Tibério, e a Igreja Católica, com sua “Santa” Inquisição, não ficaram muito atrás. E o que dizer do Terror, defendido por Robespierre, que matou milhares de inimigos da Revolução Francesa? Foi um terrorismo de Estado que inspirou muita gente no século XX. E nem preciso comentar as famosas siglas ETA, RFA e IRA, que são apenas alguns dos vários exemplos de grupos de terrorismo político que atuaram fortemente na Europa durante a Guerra Fria (que pelas ações desses grupos, não foi tão fria assim).
Só após o fim da União Soviética, um novo tipo de terrorismo veio à tona, o religioso. E a face desse tipo de terror é o Islamismo. Não que seja algo exclusivo dessa religião (e basta lembrar da Klu Klux Klan para confirmarmos isso), nem algo novo, já que esses terroristas lutam com o Ocidente desde muito antes dos anos 90, porém associamos muçulmanos a terrorismo porque a mídia colocou isso em nossa cabeça. Por ser um local muito distante, com culturas muito diversificadas e línguas totalmente diferentes da nossa, dificilmente algum brasileiro consegue informações de lá por um meio que não seja mídia. E é aí que mora o perigo.
O discurso midiático em sua maioria é “islãmofóbico". Vou tomar a revista Veja como exemplo. Em seu site, a semanária tem um índice de notícias só sobre islamismo que foram publicadas entre 1993 e 2008. Alguns dos títulos encontrados lá são: Ramadã Sangrento, Blasfêmia Fatal, O país das cabeças cortadas, Pobres, fracos e ignorantes, e muito mais. A mídia brasileira em geral não faz distinção entre uma coisa e outra, entre religião e fanatismo, entre islã e terrorismo. É a tal da farinha do mesmo saco que já citei e que entupiu a cabeça do brasileiro.
A busca por lucro em cima do sensacionalismo e a apuração preguiçosa são alguns dos motivos para essa generalização preconceituosa. A desinformação é tanta que assustou o ex- embaixador do Brasil em Bagdá, Anuar Nahes. Durante o confronto militar entre Israel e o Hamas, no ano passado, ele encontrou muita coisa, mesmo básica, errada nos grandes veículos brasileiros. Como consequência, há poucos dias ele pediu para Diogo Bercito, correspondente da Folha de São Paulo, esclarecer alguns conceitos relacionados ao tema. O resultado pode ser encontrado no blog do repórter, o Orientalíssimo.
O jornalismo brasileiro, com seu poder de formar opiniões e educar o cidadão, precisa tomar muito mais cuidado com o que publica sobre o Oriente, sobre as religiões e sobre o terrorismo. Alimentar a discórdia entre Oriente e Ocidente, arruinando a imagem dos povos do outro lado do Atlântico, é um desserviço que fere os princípios mais básicos do jornalismo e incita pensamentos e ações sociais baseadas em ignorância e preconceito. Curiosamente, o melhor meio de acabar com esse cenário é a própria mídia.