O lado humano dos terroristas
O filme Paradise Now retrata os sentimentos vividos pelos terroristas antes do atentado
Aline Oliveira
O que vem em nossa mente ao falarmos de terrorista é a imagem de uma pessoa do Oriente Médio, com barba e cabelos grandes, convicções religiosas extremas (considerados loucos pela religião que seguem) e sem medo de machucar pessoas inocentes. Ao contrário do que foi mencionado logo acima, o filme Paradise Now mostra uma realidade desconhecida por muitos da nossa sociedade. O longa dirigido e produzido pelo israelense Hany Abu-Assad conta a história de dois amigos de infância, Said e Khaled, que recebem a missão de serem homens bomba na capital Tel Aviv, em busca de igualdade. A narrativa é construída a partir das 24 horas que antecederam o momento do atentado. Durante esse período, é exposto o lado humano dos dois palestinos.
As suas lutas, os seus medos, a possibilidade de estarem cometendo um terrível erro ou não, o momento de se separar da família, a crença na religião, entre outros fatos são apresentados. A humanidade de Said e Khaled são colocadas à prova, à medida em que precisam abandonar tudo o que possuem, sem contar a ninguém, e lutar fielmente por aquilo que acham ser o correto - buscar igualdade com os israelitas, pois esses vivem melhor e com mais privilégios que os palestinos. Lutam fielmente por aquilo que acreditam.
É nesse momento do filme que entramos em contato com uma realidade que antes nem conhecíamos. A mídia nos ensina sobre terroristas loucos e extremistas, sem nenhum tipo de sentimento para com o seu próximo, que agem de forma fria. Essa visão é contrariada na obra cinematográfica, se mostrando errônea quando os amigos recebem a instrução de manterem sigilo, inclusive a seus entes queridos. A despedida é feita por meio de um vídeo gravado pelos instrutores do grupo terrorista. Quando a bomba é colocada em seus corpos e chegam na fronteira com Tel Aviv, percebemos a insegurança dos personagens.
Os amigos acabam se perdendo um do outro e a missão acaba sendo cancelada. Mas seus pensamentos giram em torno do certo e errado, o que fazer? O longa mostra como essas pessoas são parecidas conosco e vivem uma luta interna para tomar decisões. Eles têm uma vida comum, família, amigos, paixões, trabalho, planos para o futuro e tudo isso se transforma em um jogo, no qual eles devem decidir se seguem a luta por igualdade ou se seguem a vida normalmente.
Uma outra personagem do filme, que luta de modo contrário aos extremistas, é Suha. Por meio dela, os protagonistas reveem se agir de maneira tão hostil irá trazer os benefícios que almejam para o seu povo ou apenas mais caos e destruição para com aqueles que se preocupam. Penso em Suha como a consciência de Khaled e Said. Quando a jovem e Khaled estão no carro a procura de Said, Suha defende que “se podem matar e morrer pela igualdade podem achar um jeito de serem iguais em vida” e em outro momento ela afirma que “isso não é sacrifício. É vingança”.
É impossível não criar um sentimento de compaixão pelos personagens e o desejo de que ambos aceitem os ideais de Suha. Com essa história fictícia começamos a entender o que se passa no íntimo de um dito “terrorista” e tentamos compreender as suas decisões. Contudo não deixamos de lado a culpa pelos atos de violência, afinal, os fins não justificam os meios.
Por mais que o relato de Said e Khaled seja apenas ficção, ela representa a história oculta de muitos que estavam e estão por trás dos atentados. Não temos o conhecimento delas e, para falar a verdade, nem ao menos queremos saber sobre a sua existência. Preferimos falar mal de seus atos, colocar todos no mesmo papel de vilões, culpá-los e esquecermos de sua humanidade. Quantas vezes fazemos isso?
Não quero dizer que apoio suas atitudes, pois sou contra qualquer ato violento. O que quero dizer é que devemos ter mais alteridade em relação a eles, pois são pessoas assim como eu e você. Paradise Now termina com o depoimento de Said e a sua decisão, “viver aqui é como estar preso. [...] Uma vida sem dignidade não vale nada. Principalmente quando ela te faz recordar diariamente, a humilhação e a fraqueza”. “Se eles assumem o papel de opressor e vítima, então não tenho escolha, além de ser vítima e também assassino”, acrescenta. A escolha de Said pode ser a escolha feita por terroristas da nossa atualidade. O filme mostra que eles não são apenas homens bomba. Eles são tão humanos quanto nós.